Priscila 25/10/2018Fenomenal" Veríamos a multidão oprimida internamente por uma série de precauções que ela mesma havia tomado contra o que a ameaçava externamente.
Veríamos a opressão crescer continuamente sem que os oprimidos pudessem saber que fim ela teria nem que meios legítimos lhes restariam para detê-la.
Veríamos os direitos dos cidadãos e as liberdades nacionais se extinguirem pouco a pouco e as reivindicações dos fracos tratadas como múrmurios sediciosos.
Veríamos a política restringir a uma porão mercenária do povo a honra de defender a causa comum.
Veríamos sair daí a necessidade dos impostos, o cultivador desanimado abandonar sua terra durante a paz e abandonar o arado para cingir a espada.
Veríamos nascer as regras funestas e bizarras da questão de honra.
Veríamos os defensores da pátria se tornarem mais cedo ou mais tarde seus inimigos, manter incessantemente o punhal erguido contra seus concidadãos, e viria um tempo em que os ouviríamos dizer ao opressor de seu país:
- Se tu me ordenares enterrar meu gládio no peito do meu irmão, nas vísceras da minha esposa grávida, degolar meu pai, ainda que isso vá contra a minha vontade, assim o farei.
(...)
Veríamos ser fomentado pelos chefes tudo o que pode debilitar os homens unidos, desunindo-os; tudo o que pode dar à sociedade um ar de concórdia aparente, e nela semear um germe de divisão real; tudo o que pode inspirar às diferentes ordens uma desconfiança e um ódio mútuo pela oposição de seus direitos e de seus interesses, e fortalecer por conseguinte o poder que contém tudo isso.
É do seio dessa desordem e dessas revoluções que o despotismo, erguendo gradativamente sua cabeça hedionda e devorando tudo o que ele teria visto de bom e de sadio em todas as partes do Estado, chegaria enfim a pisotear as leis e o povo e se estabelecer sobre as ruínas da República.
Os tempos que precederiam essa última mudança seriam tempos de distúrbios e de calamidades, mas no fim tudo seria devorado pelo monstro e os povos não teriam mais chefes nem leis, somente tiranos.
Jean-Jacques Rousseau - A origem da desigualdade entre os homens
1755