Robson.Abrantes 07/01/2017
Sófocles e o determinismo.
Por ser escrito em forma de peça, alguns elementos essenciais de narrativa para leitores mais ávidos podem fazer falta, como descrição de cenários, aprofundamento psicológico e maiores detalhes intrínsecos. Consiste basicamente em troca de diálogos, no mesmo lugar, apenas mudando os personagens em cenas.
É bom ir para o livro com essa limitação em mente, o que não tira nem pouco a riqueza do livro. O que carece em gestos, olhares, entonações de vozes, não falta na rapidez dos diálogos. Cada vez mais você se vê coberto no mistério, querendo chegar ao fundo dele. O que no começo sai como enigmático confuso, vai se revelando impensável de trágico. Impossível não se chocar com o caminhamento da trama. Chamar qualquer outra obra de tragédia depois de Édipo é um sacrilégio. O cara levou o termo a outros níveis de desgraça até hoje, mais de 2k anos depois, inimaginável e chocante. R.R. Martin ficou com inveja.
Foi minha primeira experiência com esse tipo de texto, tragédia grega em forma de peça, e não poderia ter começado melhor. Além de ser uma leitura simples, qualquer adolescente poderia gostar sem dificuldade, é viciante de sair devorando páginas sem pena em nome do desfecho e rápido, dando para ser lido em uma tarde sem problemas (dã, é uma peça, como se ia decorar as falas e apresentar se não em curto intervalo).
A peça não se resume a bons diálogos e revelação chocante. Há todo um fundo filosófico por trás. Levanta interessantes questões, algumas diretamente nas falas, como a impensáveis desgraça as quais nos mortais estamos suscetíveis, outras implicitamente, como o livre arbítrio, debate novo para seu tempo (Santo Agostinho que começou isso, né non?) e ainda intrigante e atual, que rende bastante em teses filosóficas e cientificas, sem ser possível chegar a um consenso.
Segundo o autor, dá para se tirar que o livre arbítrio não existe. Édipo por mais que correu, não teve como fugir do seu destino. Já estava marcado antes mesmo de nascer pelos oráculos. Não importa o que ele fizesse, sua vida ia convergir para aquele fim. Todos os desvios no caminho, todas as fugas, tentativas de escapar, só o empurraram na direção da qual ele corria.
Contra o destino não dá para correr, pode-se dizer. Até onde você acredita nisso? Nos achamos especiais, donos de nossa vida, mas a verdade é que temos pouco poder de escolha sobre o nosso percurso. O local onde nascemos, o ano, a família que nos trouxe, é ai que sua vida é praticamente decidida. Vai dizer para uma criança africana que ela pode ser o que ela quiser. Ou para uma mulher da idade média, ou para uma criança com alguma deficiência genética adquirida pelos pais. Até mesmo você, que quando for ver, vai estar casado, filho, emprego chato, cabou. Édipo somos nós.
Fatalismo. Se ele tivesse ficado parado, sem fazer nada, talvez o destino fosse diferente. Ou não. Quem sabe. Não tem como saber. A verdade é, estamos exatamente no lugar que deveríamos estar. O que está acontecendo agora, é exatamente o que devia estar acontecendo. Claro, não dá para se acomodar e deixar tudo a mão do destino. Faça suas escolhas, renuncias, história. E não estranhe quando estiver de um modo que jamais imaginaria, é isso a vida. O mundo dá voltas, outra importante lição dado por Sofocles.
Recomendo. Por favor, por mais peças assim no colégio.