Gisele @abducaoliteraria 30/08/2018"Em breve, o próprio céu vai conhecer o meu nome".Nevernight me surpreendeu de diversas formas. Para quem esperava encontrar um livro YA, se espantou ao se deparar com uma história sombria, pesada e adulta. Apesar disso, eu tinha me esquecido o quanto a história de Jay Kristoff podia chocar nesses aspectos. Se você já gostou do primeiro livro, certamente irá gostar ainda mais de Godsgrave, porque ele apresenta uma trama mais complexa, dosada de sarcasmo, luxúria e um belo espetáculo sangrento.
Como eu sempre costumo avisar, se você ainda não leu Nevernight ou prefere evitar sinopses, pule o próximo parágrafo, porque nele vou apresentar parte da premissa de Godsgrave, onde contém spoilers do primeiro livro.
Mia agora é uma Lâmina da Nossa Senhora do Bendito Assassinato e sai em missões para exercer o seu papel - assassinar pessoas. Além disso, ela precisa enfrentar a desconfiança daqueles que não a veem como merecedora de seu posto e também lidar com a ânsia de por os seus planos de vingança em prática. Em meio a mistérios e suspeitas, Mia se coloca contra a Igreja Vermelha de forma sigilosa, para se vingar de Scaeva e Duomo de uma só vez. Ela se infiltra entre os escravos afim de ser vendida a um collegium de gladiatiis para ter a chance de lutar no grande Magni e ficar frente a frente com seus inimigos.
"Conquistem seu medo, e serão capazes de conquistar o mundo".
Jay Kristoff possui uma fórmula que é sempre muito bem-vinda: inserir algum tipo de competição dentro de suas histórias. Se no primeiro livro nos deparamos com uma escola para assassinos mortalmente competitiva, agora temos disputas ainda mais difíceis. Reforçando a inspiração de seu universo com a Roma Antiga, o autor introduziu outro elemento bastante característico deste período, as lutas de gladiadores em arenas.
A maior parte dos espetáculos sangrentos acontecem quando acompanhamos os combates brutais dos escravos lutadores, tudo para entreter espectadores sedentos por sangue e morte. Com isso, minhas partes favoritas se resumiram a cada competição. Mia tem seus motivos para ter que ousar e se destacar em meio a um cenário absolutamente letal, mas ela é muito boa nisso.
Aliás, nosso pequeno Corvo tem um desenvolvimento surpreendente. Por mais que Mia tente não se apegar ou não criar laços, essa tarefa se mostra impossível quando ela se vê convivendo com outras pessoas numa situação difícil. Ou quando ela necessita confiar para atingir os seus objetivos. Com isso, surge o seu maior impasse: é possível deixar tudo de lado para considerar apenas a vingança? Porque afinal, tudo é apenas um meio para o fim. Certo? O mais interessante é que ela, mesmo tendo todos os motivos do mundo para ser fria, possui um grande coração, então acompanhar suas lutas internas, além de nos causar aflição, se torna uma das melhores coisas do livro.
"Não havia tempo para orgulho. Nem para dor. Apenas para aço. E sangue. E glória".
Ainda assim, o mais surpreendente fica a cargo das inúmeras descobertas que temos. Não que o livro responda todas as nossas dúvidas, pelo contrário, ele formula ainda mais, mas as principais revelações são de coisas que a gente mal poderia imaginar. De uma coisa eu não tenho dúvidas, Jay Kristoff criou um mundo complexo habitado por personagens maculados e cinzas. Já entendi que nada dentro dessa história é o que aparenta ser, nada é simples ou transparente, então espero estar mais preparada para o que está por vir. Doce ilusão, rs.
"Não importava quem empunhava a lâmina, só que houvesse o pescoço de alguém para encontrá-la".
As notas de roda pé continuam, para a nossa alegria! Mas para quem não curtiu muito isso: elas estão em menor escala. Garanto que elas são absolutamente relevantes para a história, então não as pule. Além dessas notas contribuírem para a construção do mundo, elas também podem dar alguma pista do que está por vir. Fora que algumas delas são absurdamente divertidas, apresentando o melhor humor do autor.
A propósito, a narrativa de Jay Kristoff se diferencia por ele não ser um narrador comum. Conduzida em terceira pessoa, é normal nos depararmos com algumas opiniões sarcásticas no decorrer da trama. Às vezes soa tão inusitado que é impossível você não cair na gargalhada. Quanto à sua escrita, eu novamente fiquei maravilhada com o quão impecável ela é.
Embora a trama tenha sido apresentada com mais eficiência, ainda prefiro a construção dos personagens de Nevenight. Demorei para me apegar aos personagens de Godsgrave, a maioria deles, confesso, não me faria falta caso viessem a sucumbir (com exceção de Sidonius, que personagem!). Mas não dá para ignorar que a trama do segundo livro apresenta uma visível evolução, com reviravoltas ainda mais chocantes. Até mesmo assim parece pouco para descrever o quanto esse livro é capaz de surpreender e te deixar com a boca no chão.
"Dói, não dói? Descobrir que aqueles que deram a vida a você são tão frágeis e mortais quanto todos nós?"
E no chão é onde você fica quando chega no final do livro. Sério, eu fiquei completamente aflita por não ter a conclusão dessa história em minhas mãos. Terminar o livro dessa maneira? Isso não se faz! Vou precisar colocar as lições de paciência da Mia em prática para suportar essa espera. Mas garanto que será impossível controlar as expectativas para o último volume, tem tanta coisa para acontecer e esclarecer, que sinceramente espero o melhor livro da trilogia.
Se você curte esse estilo de fantasia sombria (ou dark fantasy, como preferir), está perdendo uma puta história. Desculpe o linguajar, mas creio que esta é a melhor forma de defini-la. Leia!
"Olhando do alto do mezanino para as intermináveis prateleiras de livros abaixo, a garota não pôde conter um sorriso. Tinha crescido enfiada nos livros. Não importava o quão sombria sua vida se tornasse, fechar uma ferida era tão fácil quanto abrir um livro. Filha de pais assassinados e de uma rebelião fracassada, ela ainda poderia entrar na pele de sábios e guerreiros, rainhas e conquistadores".
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