Raul 12/10/2009
O Cristo Recrucificado
O Cristo Recrucificado, de Nikos Kazantzakis, retrata, a princípio, um episódio relacionado a uma pacata aldeia grega na Anatólia, atual Turquia. O autor não perde tempo para exaltar o espírito grego já no início e ao decorrer de toda a sua obra, com metáforas e belas hipérboles saudosistas. Desde a entrada, fala de uma Grécia oprimida, sufocada, onde seu povo tem de submeter ao domínio turco, mas que ainda respira sua cultura clássica e a gloriosa história helênica, jamais sucumbindo de forma total à ocupação estrangeira. Tal concepção e idéias têm um grande destaque através do mestre-escola da aldeia, que proclama versos e triunfos passados de seu povo, sempre tentando reacender o espírito patriótico e nacionalista deste último. E eis mais uma grande indireta análoga: o personagem que tanto exalta a triunfante Grécia na obra, é, na verdade, um homem oprimido e medroso, que tem uma morte pífia e não muito significativa ao longo da obra.
O livro é um pedido de socorro e, ao mesmo tempo, uma explícita denúncia contra ricos, homens corruptos, eclesiásticos egoístas e a fria individualidade humana, onde só prevalece um egocentrismo exagerado. A tragédia é o picadeiro para todas as pretensas idéias do autor, chegando a chocar, seja por um cunho religioso ou não, o leitor. Padres vaidosos que discorrem sobre o amor ao próximo na igreja, não o fazem na esquina da rica Aldeia de Lycovrissi; ricos colocam em xeque os próprios entes pelas suas fortunas de forma exacerbada e tragicamente ridícula; a luta vã e continua entre homens, promovida por uma comodidade espantosa que se apavora com qualquer novidade externa, temendo que a mesma destrua a harmonia encontrada pela facilidade e a forçosa cegueira para a miséria humana, são alguns dos exemplos dramáticos das exposições feitas por Nikos nesta grande obra-prima.
Ao contrário do que muitos pensam, devido a um título meio atípico, ao toque de tragédia e denúncias que condenam comportamentos infindos, o livro não é uma lasciva de veneno. Muito pelo contrário: é um livro que escancara uma profunda fé. Percebe-se o quão profunda é esta fé nas divagações religiosas em que os personagens se prontificam, e até em inúmeras partes onde o próprio narrador parece assumir posição, falando por si mesmo ou concordando com os atos de fé cristã e suas ações. Há um envolvimento notório do próprio autor em cada abordagem de tema, chegando a parecer uma leitura bastante tendenciosa. Na verdade, não é o propósito. Eis o tal: uma sincera perspectiva de um homem. Trata de algo bastante real: a fé, a traição, a mentira, a derrota e o dissabor do cotidiano humano, sempre ressaltando a figura de Cristo em comparações com seus sacrifícios e sua sabedoria.
Uma palavra bastante conveniente para esta obra é “analogia”; e um adjetivo, para deixá-la mais eficiente é “brilhante”. Pois não, temos uma analogia brilhante nesta magnífica obra-prima grega. Uma literatura não muito conhecida mundo a fora, mas que vale a pena ser explorada, e acredito ser este um dos livros mais interessantes para que se processe o afã por desbravar a escrita contemporânea helênica.
A analogia explica tudo. Temos uma denúncia transparente e concomitantemente fabulosa nesta obra grega. Deixemo-la com certa tristeza ao ver o quão ainda é real a tragédia que ela esboça. O Cristo, no caso da obra, é personificado por um ordinário pastor que faz um auto-sacrifício mortal em benefício aos demais. E ,como a obra demonstra, tal sacrifício não promove o efeito esperado. Vemo-nos após dois mil anos, e Cristo ainda continua sendo recrucificado através daqueles que acreditam nos valores e princípios, mas que acabam sendo atropelados por homens ávidos por poder e repletos de luxúria que só abrem seu olhar para suas próprias conveniências.