Carol 06/02/2024Impressões da CarolLivro: Memórias de Adriano {1951}
Autora: Marguerite Yourcenar {Bélgica, 1903-1987}
Tradução: Martha Calderaro
Editora: Nova Fronteira
296p.
Como falar desse livro monumental que é "Memórias de Adriano"? Uma obra escrita, reescrita, pensada e pesquisada por longos 27 anos. Uma vida.
Começo pelo luxo de termos um "Caderno de Notas", como posfácio, no qual Marguerite Yourcenar apresenta o percurso e os percalços enfrentados quando da escrita da narrativa e o porquê de seu fascínio pela figura do imperador romano Adriano:
"Se este homem não tivesse mantido a paz do mundo e renovado a economia do império, suas felicidades e seus infortúnios interessar-me-iam menos." p. 267
Destaco a escolha de Yourcenar em "apagar-se" como voz autoral ao optar pelo registro na 1ª pessoa. É a voz de Adriano que, como mágica, nos conduz pela Roma do século II. Ele narra, num exercício memorialístico, para melhor se conhecer antes de morrer. Ele narra, também, para instruir Marco Aurélio, adotado por ele para sucedê-lo:
"A verdade que pretendo narrar aqui não é particularmente escandalosa, ou melhor, não o é senão na medida em que toda verdade escandaliza. Não espero que teus 17 anos compreendam qualquer coisa disso. Empenho-me, porém, em instruir-te e também em chocar-te." p. 29
Mais que o Adriano histórico, singular pelo papel que desempenhou em Roma, ganha vida o ser humano Adriano, singular pelo que viveu e sofreu. Mais que um romance histórico, "Memórias de Adriano" é um texto de meditação filosófica.
Um dos textos mais bonitos que já li. Uma ode à humanidade, um consolo em tempos de perda de sentido.
"A vida é atroz, nós o sabemos. Mas precisamente porque espero pouca coisa da condição humana, os períodos de felicidade, os progressos parciais, os esforços para recomeçar e para continuar parecem-me tão prodigiosos que chegam a compensar a massa imensa de males, fracassos, incúria e erros. As catástrofes e as ruínas virão; a desordem triunfará de tempos em tempos, no entanto, a ordem voltará a reinar. A paz instalar-se-á de novo entre dois períodos de guerra; as palavras liberdade, humanidade e justiça recuperarão aqui e ali o sentido que temos tentado dar-lhes. Nossos livros não serão todos destruídos; nossas estátuas quebradas serão restauradas; outras cúpulas e outros frontões nascerão dos nossos frontões e das nossas cúpulas; alguns homens pensarão, trabalharão e sentirão como nós: ouso contar com esses continuadores colocados, com intervalos irregulares, ao longo dos séculos, nessa intermitente imortalidade." p. 249
Obra-prima.