Gabriela3935 21/11/2022
Nesse título eu perdi 10% da minha cota diária de palavras.
Todo ano busco ler pelo menos um livro distópico, um gênero dinâmico que nos prende na leitura e levanta questionamentos sociais que geralmente “alugam um triplex” na nossa cabeça. A distopia tem essa função de intensificar um problema atual a níveis extremos, ela assusta, não como um livro de terror, mas de uma forma muito mais urgente, a sensação de que o momento de agir é agora, afinal a descrição que sempre acompanha as distopias não é “em outro mundo”, “há muito tempo”, mas sim “no futuro”. Com os recentes acontecimentos, é vísivel o quanto nos aproximamos cada vez mais da distopia, ou de uma sátira política muito absurda; com isso o gênero tem perdido a sua força, afinal, para quê ler sobre governos autoritários se podemos apenas ver o noticiário? São tempos tenebrosos, e a ficção por sua vez tem nos ajudado a não pensar tanto sobre os acontecimentos mais recentes. Mas sigamos com esperança, e, pessoalmente, acredito que a distopia ainda ocupa um espeço especial.
Em Vox, vemos um futuro em que o conservadorismo se expandiu e tornou os ambientes familiares um exemplo de ideal biblíco: as mulheres em casa, e os homens no poder, sempre em um padrão heterossexual. Assim, como forma de controle, as mulheres podem dizer apenas 100 palavras por dia, utilizam uma pulseira eletrônica que emite choques cada vez mais fortes a cada palavra dita que ultrapassa o limite, podendo levar à morte em pouco tempo. O livro, escrito por uma linguística, tem como protagonista uma neurolinguísta que, antes da tomada conservadora, trabalhava com o estudo da Afasia (doença que confunde as palavras no momento da fala, tornando as frases sem sentido); tendo vivido tempos normais, ela recorda com arrependimento os dias em que poderia ter lutado, mas optou por não o fazer. Agora, com uma filha bebê, e três filhos garotos ela teme pelo futuro que os aguarda.
Em um infeliz acidente, contudo, o irmão do atual presidente se vê afásico e a trama se inicia com a protagonista, especialista na doença, recebendo a proposta de retomar os estudos e trabalhar na cura para o problema. Nesse momento, ela irá lutar ou, pela segurança de sua família, apenas continuar obedecendo?
A narrativa, como esperado, é muito envolvente e fácil de ler, a realidade apresentada é impressionante e conseguimos nos conectar aos personagens com facilidade, as imperfeições de cada um levam a sentimentos intensos, raiva, impotência, e emergência constante. Acredito que a história siga um caminho interessante, com direito a revelações surpreendentes e algumas reviravoltas. Eu me vi, não necessariamente torcendo pela personagem, mas instigada a descobrir qual seria o desfecho desse beco sem saída. Aproveitei a leitura em cada página, mas o final deixou a desejar com uma resolução apressada, com muitos pontos em aberto e o descarte de personagens que poderiam ser melhor desenvolvidos. Foi um tanto decepcionante ver que as páginas estavam acabando e ainda tinha muita coisa para acontecer, talvez a autora tivesse ambições de uma continuação que nunca chegou, a correria no final afetou diretamente a história e a minha opinião sobre o livro, infelizmente.
De toda forma, foi uma história que despertou um incômodo e que sustentou esse incômodo não apenas durante a leitura mas no dia a dia, com o conservadorismo cada vez maior, vemos a importância que é ter voz, e a necessidade de mostrar essa voz, fazer-se ouvir. Se as palavras são tiradas de nós, com que armas podemos lutar? O silêncio é uma forma de manipulação, seja ativo ou passivo, sabemos o quão ensurdecedor ele pode ser, e o quanto temos abandonado nosso poder de falar, pelo comodismo e pela segurança que a voz nunca nos será tirada. Essa resenha tem 600 palavras, uma opinião tão simples, e que levaria ao menos 6 dias para ser expressa, isso se eu deixasse de lado todas as expressões básicas do dia a dia.
"O que estou dizendo é que nada disso aconteceu sem luta."