Renata CCS 27/08/2014Será que todas as injustiças são reparáveis?
"A primeira glória é a reparação dos erros." (Machado de Assis)
Muitos são os caminhos e armadilhas da arte de saber contar histórias. E se a personalidade de quem conta a história for de uma jovem impressionável, repleta de criatividade e trazendo na bagagem os ciúmes, egoísmo e dissimulação, pode haver o momento em que o real e o imaginário se confundem na mente de quem só vê o que quer como lhe for conveniente. Protegida sob o manto sagrado de um futuro talento literário mesclado com seus olhos de criança inocente em seus treze anos, Briony Tallis é a inconsequente vilã de REPARAÇÃO que deriva da imaturidade, da precipitação de ser a detentora da verdade, e de ser imaculada por sua família, vulneráveis pela sua notável inocência.
Inglaterra, verão de 1935, Briony, então com treze anos, estava deixando o universo infantil com a ambição de se tornar uma escritora de sucesso, fazendo uso de sua mente engenhosa e muito imaginativa. Embora fascinada com a própria desenvoltura em retratar histórias das mais diversas, são desastrosas as conseqüências ao interpretar fatos do universo amoroso adulto, com base em seu repertório ainda infantil e visão de mundo limitada. Briony presenciou cenas que não podia julgar, cometeu o pecado de abrir uma carta destinada à outra pessoa e leu sobre um assunto que ainda não entendia.
As intervenções de Briony provocam desdobramentos dramáticos para todos os envolvidos. Sendo ela a única testemunha da atração entre Cecília, sua irmã mais velha, e Robbie, o filho da empregada e protegido da família, será justamente uma ação dela a definir o futuro dos dois.
O livro se desenrola por três idades de Briony: da jovem impressionável que imagina ter visto alguma coisa; da adulta, embora ainda não madura, que quer reparar a injustiça cometida com seu testemunho de criança; e da idosa, quando encontra na literatura uma possibilidade, mesmo que tardia e inútil, de redenção.
REPARAÇÃO é um desses livros que te deixam grudado nas páginas. É um retrato sensível e dilacerante do amor, de abismos sociais, das consequências de nossos atos e, principalmente, sobre a culpa e o arrependimento, a necessidade de reparar os erros e os limites do perdão. É um romance sobre a fragilidade humana em todos os aspectos.
São poucos os autores que conseguem reproduzir em palavras o ato de observar. Em cada ação de seus personagens, Ian McEwan nos apresenta um universo de vontades e intenções camufladas e narradas passo a passo ao leitor, e sua narrativa possui imagens tão certeiras que nos fazem entrar na história para presenciar tudo de muito perto. O autor claramente valoriza os detalhes, as caracterizações e a vida interior de cada personagem. Sua capacidade de escrever sobre a alma humana, suas emoções e conflitos me encantou!
Com uma escrita clara e aguda, McEwan fez de sua narrativa uma obra de arte, narrando minuciosamente, em primeira e terceira pessoas, os diferentes ângulos de uma mesma cena, alternando a visão particular de cada um dos protagonistas, dando todo um contraste de intenções e detalhes de cada um deles, e que não acontecem gratuitamente nesta obra incrível.
Um livro impecavelmente escrito e extremamente envolvente sobre o perigo e a vulnerabilidade humana, competente na exploração do mundo interior do ser humano, trazendo um final avassalador e perfeito.
Volte sempre, McEwan!