Paloma 31/07/2021
Primeiras impressões
Primeiras impressões, seria esse o título original do romance de Jane Austen. Em consonância com o primeiro encontro dos protagonistas Elizabeth Benett e Sr. Darcy que tomaram para si as primeiras impressões um do outro e se apegaram ao impacto delas no desenvolvimento de suas relações sociais. Entretanto, ?Orgulho e preconceito? foi o título definitivo escolhido por Austen e, de cara, ele entrega a essência do desenvolvimento da história dos protagonistas desse lindo, irônico e cômico romance.
Um narrador observador e impessoal nos conduz por essa trama que, a primeira vista, pode parecer clichê e água com açúcar, mas que, a partir do desenvolvimento dos fatos, vai se revelando profunda e nada casual. Talvez esse seja, a meu ver, um dos grandes feitos de Austen, ter transformado personagens e relações sociais e familiares comuns da sua época em um enredo atrativo, engraçado, crítico e apaixonante.
Orgulho e Preconceito é menos sobre um amor romântico entre Elizabeth e Darcy. É mais sobre como as primeiras impressões são importantes para moldar nossas relações sociais. Sobre como somos pessoas com virtudes e defeitos e, por mais inteligentes, observadoras e independentes que nos julgamos ser estamos sujeitas às falhas do julgamento. O quanto, por mais subversivas e críticas dos padrões sociais, ainda assim, guardamos conosco preconceitos e um orgulho desmedido quando nossas falhas são apontadas.
É assim que Austen desenvolve o amor de Elizabeth e Darcy. Ela, uma jovem de hierarquia social inferior a dele, com baixo poder aquisitivo, mas uma perspicácia, independência e inteligência admiráveis, é vista por Darcy como uma jovem tolerável, mas que, infelizmente, pelos infortúnios do destino de sua família não rica, é inicialmente, uma pessoa indigna do seu apreço e sentimentos. Ele, um cavalheiro dono de uma grande fortuna, com toda a pompa e requinte da sua classe social e uma dose de arrogância e timidez é, de cara, julgado por Lizzy como um sujeito orgulhoso, sisudo e ignorante, o homem que, mesmo que fosse o último na terra, não conseguiria fazer com que ela se casasse com ele.
Esse clima de antipatia e implicância mútua perdura longos capítulos do livro e nos fornece diálogos extremamente cômicos e irônicos. Mesmo encantado pelos belos olhos de Elizabeth, Darcy não consegue abrir mão de seus preconceitos sociais. Ainda que curiosa e instigada pelo comportamento de Darcy, Elizabeth não abandona seu orgulho e preconceito previamente alimentados acerca do cavalheiro.
No livro, Austen nos convida a acompanhar a mudança desses personagens. O primeiro passo rumo ao amadurecimento da visão recíproca dos protagonistas acontece quando eles se reencontram em Kent, quando Elizabeth enfrenta Darcy e o questiona sobre seus comportamentos com relação a Jane e Wickham. Posteriormente, o reencontro de ambos em Pemberley é o ponto alto da virada de chave do romance e Austen descreve com maestria e beleza o amadurecimento dos personagens e a mudança de concepção que um passa a ter do outro. Nos deixa de lição que nem sempre as primeiras impressões são verdadeiras e que nosso olhar sobre os outros pode estar sob a lente de preconceitos profundos.
A visita de Elizabeth à casa de Darcy faz com que caia o véu do orgulho que cobria os olhos dela ao observar as minúcias do comportamento de Darcy. E vice versa. O diálogo sincero e respeitoso que os dois travam, mostram a ambos que eles estavam inteiramente equivocados a respeito das impressões recíprocas. Esse é o ponto que encaminha o romance para mais algumas situações inusitadas que vão, aos poucos, revelando o amor de Elizabeth e Darcy que, finalmente, consegue ser externalizado e vivenciado.
É um livro lindíssimo sobre o amor, as relações sociais, a subversão das protagonistas femininas e de crítica aos costumes e tradições da época. Com um narrador impessoal que é extremamente ácido e crítico de certos personagens, como a Sra Benett e o Sr Collins, os quais representam os valores morais da época, que estava em mudança com relação aos costumes, alvo de críticas irônicas e cômicas de Austen em seus romances.
Jane Austen foi com toda certeza uma escritora a frente de seu tempo que desenvolvendo temas importantes para o seu período, como o casamento, conseguiu descrever e desenvolver críticas à sociedade de sua época; falou sobre o amor, as virtudes e as falhas humanas; desenvolveu personagens femininas independentes, questionadoras e críticas que marcaram a literatura. O amor de Elizabeth e Darcy que está para além dos interesses econômicos, revela que a verdadeira felicidade também está em ter um bom caráter e objetivos de vida em comum a partilhar, não se deixando entregar às falsas primeiras impressões que um encontro repentino pode causar.
Sobre a edição, com toda certeza é o livro mais lindo que tenho. O projeto gráfico está belíssimo, ilustrações encantadoras com uma paleta maravilhosa, de Jess Vieira e textos de apoio que acrescentam em muito a experiência de leitura. Esse livro me encantou de verdade!