R...... 18/11/2020
Edição Câmara (coletânea publicada em 2018)
Quatro obras de Maria Firmina dos Reis, maranhense e educadora do século 19, considerada a primeira romancista e escritora negra do país.
"Úrsula" - li o romance em outra edição, uma história sobre amor e liberdade, inspirada pela fé cristã (no pensamento que a fraternidade deveria ser comum, o que é questionado pelas personagens) e por ideais abolicionistas. O desenrolar é impactante, sensibilizando o leitor.
"Gupeva" - conto indianista, com paralelos que podem ser estendidos a dois épicos da literatura nacional.
A obra foi publicada antes de "Iracema", tendo contexto de paixão entre uma indígena e forasteiro francês (Gastão e Épica), como no romance de Alencar, porém, não destaca felicidade, mas um grande equívoco no enlace, provocador também de mortes. Lógico que não vou dizer os porquês...
Outro paralelo é com "Caramuru", sendo Paraguaçu e o esposo citados. A história entrelaça passado e presente, onde Épica casa com forasteiro e vai para a Europa, que nem na obra de Santa Rita Durão, desse enlace surgindo filha de nome também de Épica (a amada por Gastão, protagonista do conto... confesso que os nomes parecidos fizeram com que me perdesse em determinado momento da leitura). A história em si não foi de leitura cativante, parecendo-me confusa na distinção das "Épicas" e Paraguaçu. Não gostei.
Talvez a autora tenha desejado destacar que o encontro entre os dois mundos revelou aspectos infelizes também. Um grande infortúnio.
"A escrava" - relato impressionante de uma mulher em distinto evento social quando o tema abolição entrou em discussão. Esta toma a palavra e conta a história de uma escrava fugitiva e seu filho, por quem intercedeu pela liberdade, com autoridade e embasamento jurídico (a postura impressiona pelo contexto de domínio machista). O leitor testemunha a escravidão no drama das vidas afligidas e na cruel disposição dos escravagistas.
"Cantos à beira-mar" - em uma das poesias a autora citou frase que, em meu entendimento, caracteriza essa obra: "Há de certo alguma harmonia oculta na desgraça, pois todos os infelizes são inclinados ao canto" de C. Roberto. Citada no início da poesia "Dirceu", em homenagem de Firmina a Tomás Antonio Gonzaga.
Predomina a melancolia e sofreguidão, vendo-se de maneira comum a tristeza, a dor, o sofrimento, o dissabor, a desilusão e o lamento, onde a expressão máxima é "Uma lágrima", poesia sobre o sepulcro da mãe (uma das mais tocantes que já vi).
No todo é obra melancólica, mas tem um porém, assim como em Úrsula" ou "A Escrava", a fé cristã é evidenciada como esperança e renovação. Nada de um fim de mundo e solução na morte como em Álvares de Azevedo.
Caracterizando um pouco mais, Firmina é melancólica e, além da homenagem à mãe, homenageia também amigos, a terra natal, amor platônico e combatentes na Guerra do Paraguai.
Gostei da obra, mas não poderia deixar de registrar que tive certa frustração na ausência de qualquer poesia específica ao abolicionismo, As obras de Firmina nessa temática tem visceralidade impactante e esperava encontrá-la na poesia. Pelo menos nessa coletânea não vi. Na noite de ontem (20/11/20), ainda não tinha lido esta obra e acreditava que alguma poesia de Firmina seria citada no programa "Falas Negras"...
Do geral, só não curti o conto "Gupeva" e acredito que Firmina dos Reis tenha também poesias abolicionistas específicas.
Leitura no contexto da pandemia e racionamentos em Macapá (já são 19 dias revoltantes). Temos 4 hidrelétricas no Amapá e só agora descobri (como também o povão em termos práticos) que quase toda a energia produzida nessas hidrelétricas vai para outras partes do Brasil... Sendo a nós dedicado o descaso...