alineaimee 21/08/2013Da superação e uma psicanálise mais humanizadaMeu namorado e eu compartilhamos o fascínio quanto ao tema do suicídio, tanto que pesquisamos e colecionamos poesias sobre esse assunto e trocamos ideias e dicas de texto a esse respeito. Foi assim que fiquei conhecendo Em busca de sentido, do psiquiatra Viktor Frankl (1905-1997). O subtítulo, "Um psicólogo no campo de concentração", contribuiu para me deixar ainda mais intrigada.
Viktor Frankl, psiquiatra austríaco, foi prisioneiro em Auschwitz durante o holocausto nazista, tendo perdido, ainda, seus pais, o irmão e a esposa. Em busca de sentido narra essa experiência, além de descrever a Logoterapia - método psicanalítico que ele idealizou e criou.
Percebendo que nem todos os seus companheiros de reclusão sucumbiam ao desespero ou abdicavam da vida (ele incluso), o médico começou a investigar as causas dessa perseverança. Quais seriam as motivações que separavam aqueles que se apegavam à sobrevivência daqueles que acabavam "jogando a toalha"? Frankl observa que, não só a depressão, mas o tédio, o vazio existencial, fundam-se numa ausência de sentido na vida. Os últimos séculos, especialmente o último, destituem os indivíduos de seus papéis sociais mais estanques e pré-definidos, o arcabouço de tradições culturais e sociais se enfraquece, e a religião perde a preponderância enquanto definidora ou reguladora de posturas. Devido à dinâmica evolutiva do homem, o aparato instintivo e biológico (que garante também a existência e a perduração da vida animal) já havia se desfeito. O esmaecimento da bagagem cultural, que em certo grau o substituía na espécie humana, lançou o homem numa situação de vazio existencial em que ele não sabe o que fazer, nem por quê. O indivíduo vê-se diante de uma variedade tão grande de possibilidades que passa a se confrontar com os riscos da desorientação e da paralisia. Nesse sentido, duas opções se apresentam: fazer o que todos fazem (conformismo) ou fazer o que lhe é comandado (totalitarismo). Onde fica a consciência individual suficientemente desperta para contemplar esse dilema?
Frankl percebeu, no campo, que as pessoas cujo desejo de sobreviver persistia diante das desventuras mais extremas eram aquelas capazes de identificar um sentido que justificasse as suas vidas.
O livro é divido em três partes: na primeira, ele descreve a experiência no campo de concentração, bem como narra as posturas de alguns de seus companheiros. Ele comenta a imprevisibilidade individual que fazia com que alguns guardas fossem gentis, enquanto certos presos agiam como verdadeiros algozes para com os outros reclusos. Outro aspecto impressionante é a resistência humana em face das piores privações. Frankl busca, na medida do possível, narrar com algum distanciamento, a dinâmica e a organização social do campo, bem como os mecanismos de apoio que os reclusos criavam para passar por mais um dia.
Na segunda parte, o médico introduz o método logoterápico, cujo aprimoramento deve bastante à experiência em Auschwitz. Ao contrário da escola freudiana, a logoterapia (terapia do sentido) desonera as pulsões sexuais na geração dos traumas, localizando-os na ausência de sentido (neurose noogênica), ou seja, no vazio existencial. Ainda na contra-mão de Freud, Frankl concentra o tratamento em projeções para o futuro, menos na investigação de fontes traumáticas pretéritas que na tentativa de identificar junto ao paciente um sentido para a sua vida. Deste modo, é uma terapia mais positiva.
No terceiro capítulo, o psiquiatra descreve o que ele chama de otimismo trágico. De acordo com essa tese, a superação individual reside numa escolha, num posicionamento interior que, a despeito da tríade trágica (dor, culpa, morte), possibilita que o indivíduo consiga optar pela vida, retraçando seus caminhos, suas escolhas, reerguendo-se, reconstruindo, prosseguindo em direção a uma meta.
O livro é muito claro e não exige conhecimento específico para ser apreciado. A primeira e a última parte são, não somente interessantes, mas muito inspiradoras. É bonito perceber como o homem é capaz de tirar proveito de seu sofrimento. O tempo todo, durante a leitura, lembrava-me da pequena Anne Frank que, apesar do enclausuramento forçado, dos ânimos exaltados e da superlotação no abrigo, estudava uma infinidade de disciplinas, lia suas revistas de cinema, preenchia seus diários.
O segundo capítulo é bem objetivo enquanto apresentação e resumo da logoterapia e foi bastante eficiente em me despertar a vontade de pesquisar mais o assunto. Alguns pontos, como a intenção paradoxal, não me pareceram inteiramente convincentes e, por isso mesmo, planejo investigá-los melhor.Uma das características que mais me agradou nesse livro é que ele não tenta, em nenhum momento, soar como autoajuda. O próprio Frankl insta-nos a descartar a consideração do logoterapeuta como uma espécie de guru. A logoterapia pretende reumanizar a psicanálise, mas é, sim, um método de base técnica e científica.
Para mim, o livro funcionou como uma abordagem alternativa para a insatisfação generalizada que nos acomete, especialmente porque nos resgata da condição de meros primatas com pulsões sexuais frustradas.
site:
http://www.little-doll-house.com/2013/08/em-busca-de-sentido.html