Alan kleber 14/02/2024
A paixão a conduzi-lo pela coleira
Morte em Veneza, a novela seminal de Thomas Mann, nos transporta para o cenário místico e decadente de Veneza, onde Gustav von Aschenbach, um escritor de renome, busca rejuvenescimento e inspiração. Contudo, sua jornada transcende o mero turismo cultural quando ele é cativado pela beleza estonteante de Tadzio, um jovem polonês. Essa atração desencadeia uma paixão avassaladora em Aschenbach, levando-o a uma espiral emocional que culmina em uma dolorosa e inevitável autodescoberta.
Em Morte em Veneza, Thomas Mann mergulha nas profundezas da psique humana, tecendo uma narrativa que transcende as fronteiras do tempo e do espaço. A novela é uma obra-prima da literatura que não apenas narra a jornada de um homem em busca de inspiração, mas também explora temas universais como a beleza, a morte e a decadência.
Gustav von Aschenbach emerge como um protagonista complexo e multifacetado, cuja busca pela perfeição estética o leva a confrontar suas próprias fraquezas e desejos mais profundos. Sua obsessão por Tadzio é mais do que uma simples atração; é uma busca desesperada por transcendência e significado em um mundo marcado pela transitoriedade e pela mortalidade.
A cidade de Veneza desempenha um papel central na narrativa, servindo como um espelho distorcido da alma de Aschenbach. Mann habilmente retrata a dualidade da cidade, onde a beleza exuberante coexiste com a decadência e a corrupção. A atmosfera opressiva e claustrofóbica de Veneza reflete a própria jornada emocional de Aschenbach, criando um ambiente tenso e carregado de simbolismo.
A relação entre Aschenbach e Tadzio é o ponto focal da novela, uma dança delicada entre o desejo e a negação, o amor e a morte. Mann explora os matizes dessa conexão de forma magistral, revelando as camadas mais profundas da psique humana e as complexidades do desejo e da identidade.
Morte em Veneza é uma meditação profunda sobre a condição humana e a busca incessante pela beleza e pelo significado. A prosa envolvente de Mann e sua habilidade de capturar a essência da experiência humana fazem desta novela uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada na interseção entre arte, desejo e mortalidade. Ao fechar suas páginas, somos deixados com uma sensação de admiração e inquietação, cientes de que testemunhamos algo verdadeiramente extraordinário.
?Pois a beleza, Fedro, grava bem isso, apenas a beleza é simultaneamente divina e visível; ela é, portanto, o caminho do sensível, ela é, meu pequeno Fedro, o caminho pelo qual o artista alcança o espírito. Mas tu crês, meu querido, que aquele que se encaminha ao espiritual pela via dos sentidos pode algum dia alcançar a sabedoria e uma verdadeira dignidade viril? Ou antes acreditaus (tu és livre para decidir) que este é um caminho atraente, conquanto perigoso, na verdade um caminho equívoco e pecaminoso que necessariamente conduz ao erro? Pois é preciso que saibas que nós, poetas, não podemos percorrer o caminho da beleza sem que Eros se interponha, arvorando-se em nosso guia; sim, ainda que sejamos, a nosso modo, heróis e guerreiros disciplinados, somos como mulheres, pois a paixão é nossa sublimação, e nosso anseio não pode deixar de ser amor ? para nossa satisfação e para nossa vergonha. Vês agora que nós, poetas, não podemos ser nem sábios nem dignos?
Que fatalmente incorremos em erro, que fatalmente permanecemos devassos e aventureiros do sentimento? A maestria de nosso estilo é mentira e estupidez;
nossa fama e respeitabilidade, uma farsa; a confiança depositada em nós pela multidão, altamente ridícula; a educação do povo e da juventude pela arte, um empreendimento temerário que devia ser proibido. Pois, como pode servir de educador quem traz em si um pendor inato e incorrigível para o abismo? Bem que gostaríamos de renegá-lo e adquirir dignidade, mas para onde quer que nos voltemos, lá está ele a nos atrair. É assim que renunciamos, por exemplo, ao conhecimento analítico, pois o conhecimento, Fedro, não tem dignidade nem rigor; ele é sábio, compreensivo e indulgente, não tem firmeza nem forma;
simpatiza com o abismo, ele é o abismo. A este rejeitamos, pois, decididamente, e nossa única aspiração passa a ser então a beleza, o que quer dizer simplicidade, grandeza, um novo vigor, a espontaneidade reconquistada e a forma. Mas forma e espontaneidade, Fedro, levam à embriaguez e à cobiça, arriscam levar um coração nobre a cometer um atentado atroz contra o sentimento, atentado que sua própria exigência de austera beleza repudia como infame ? também elas conduzem ao abismo. Digo que elas nos conduzem, a nós poetas, para o abismo, pois não conseguimos elevar-nos, mas apenas exceder-nos. E agora eu me vou, Fedro. Quero que fiques aqui e só quando já não me avistares mais, só então, parte também.?