yokiitos 21/06/2024
Advice for the young at classics
Antes de ler Drácula - ou qualquer outro clássico - você precisa ter em mente algumas coisas. A primeira é que clássicos da literatura são, usualmente, obras escritas num momento anterior ao nosso. Ou seja: são livros velhos. Tendo isso em mente, você precisa entender que ler um clássico vai além de simplesmente consumir as palavras impressas nos papéis que você tem em mãos. É claro que você tem a opção de pegar um Dostoiévski da vida e tratá-lo como nada mais além de sua leitura de praia. Mas se você quiser mergulhar na história e entender de verdade o que você está lendo - e perceba que eu não tô dizendo sobre entender 100% tudo, eu estou falando com um leitor comum e não com um acadêmico - é necessário sim que você procure entender o contexto histórico que a obra, seu autor e seus leitores da época estão inseridos. É, de grande valia que você procure edições que tenham [bastante] notas de rodapé para que sua leitura seja enriquecida. Mas procure com cuidado; dependendo da sua disposição, vá até livrarias e avalie suas opções. Por exemplo, outro dia me deparei com uma edição d?O Retrato de Dorian Gray da Biblioteca Azul cujas notas de rodapé eram tão extensas que, por muitas vezes, tomavam duas páginas inteiras. Tem também as edições da editora Panda Books que são recheadas de notas que dialogam muito bem com o leitor contemporâneo (inclusive, foi com o Quincas Borba dessa editora que dei o primeiro passo para verdadeiramente estudar sobre a história do Brasil, desde a época do Pedro II, no ensino médio).
Quando o clássico que estamos discutindo é Dracula, uma obra que foi injetada na cultura ocidental como nenhuma outra, a ideia sobre buscar mais informações parece dispensável. Mas não é! Apesar de já conhecermos a figura do Drácula a ponto de imediatamente associar a palavra ?vampiro? a ele (ainda que ele não tenha dado origem ao termo), não significa que estamos preparados para ler a obra original. É muito fácil pegar esse livro para ler com uma visão preconcebida, mas a verdade é que, ainda que o título do livro leve o nome do personagem principal, não temos aqui um enredo sobre as aventuras de Drácula. Muito pelo contrário: o conde aparece aqui quase como uma participação especial. Sua figura é tratada como a verdadeira entidade que é. Mas o livro ?Dracula? de Bram Stoker é muito mais parecido com um manual de caça a vampiros do que com uma biografia aterrorizante de um ser químerico. No início temos uma introdução que chega a nos enganar mostrando toda a chegada de Jonathan Harker à Transilvânia, e seu encontro obscuro, tenso e assustador com o tal conde. Aqui temos nosso primeiro contato com a figura de Drácula, que pode ser bem diferente daquilo que imaginávamos antes. Muitas de suas características físicas e de personalidade são descritas logo aqui no início. Também temos informações muito importantes referentes aos poderes e limitações do conde mais para a metade do livro. Contudo, a obra não foi feita para focar apenas em desenvolver um único personagem. Levando em consideração que Drácula já é capaz de causar um impacto grande por si só, Bram Stoker leva os holofotes às demais personalidades que sofrem justamente com esse tal impacto. Ainda que ele não apareça na história matando geral e bebendo litros de sangue, ele ainda assim gera um enorme desconforto e medo apenas em existir.
E aí é que entra a questão de entender que o livro que você está lendo se trata de um clássico. Portanto, não prossiga caso esteja esperando encontrar aqui diversos confrontos tensos e sangrentos. Apesar de estarmos acostumados a representações assim dessa história na cultura pop, não é aqui, nesse livro de 1896, que você vai encontrar isso tudo. Suas expectativas vão ser destruídas a cada página preenchida de puras reflexões de personagens que ocupam seus tempos tentando, em meio a muito medo, desenvolver um ataque efetivo ao ser quase imortal. Este é um romance epistolar que reúne cartas enviadas entre os personagens e páginas de seus diários. Isso significa que tudo aqui é fruto de pensamentos, e não de ações. Não estou de nenhuma forma dizendo que isso seja algo ruim, mas é importante que se seja dito para que você saiba se tá afim ou não de passar quase 600 páginas de ideias e diálogos entre pessoas comuns que não estão em embate direto com a grande entidade, até porque, elas tiveram tempo de sentar e descrever - num papel ou num gramofone - os momentos antepostos.
Claro que eu peguei o livro pra ler justamente cheio de expectativas e esmoreci ao decorrer das páginas (inclusive, esse texto serve como aviso a mim mesmo para futuras leituras), mas outras decisões da obra também me decepcionaram, como por exemplo a escolha do mártir da história, que teve sua morte bem melhor descrita do que a morte do conde, mesmo se tratando do personagem mais anti carismático de toda a literatura mundial.
Outra coisa que motivou a escolha da minha nota foi essa edição da Antofágica, uma das mais preguiçosas de todo o catalogo da editora. Comparando com as demais publicações deles, você pode perceber o quão delicados foram em fazer com que as artes conversassem com a história em seus outros livros, como por exemplo ?Bartleby, o Escrivão?, cujo texto inteiro foi digitado numa máquina de escrever pela artista que não vou lembrar o nome agora; ?Revolução dos Bichos?, que, além de ter o texto se mesclando com as ilustrações, também tem cada capítulo iniciado com uma apresentação visual toda colorida e elegante; ?Na Colônia Penal?, cuja única ilustração do livro foi dividida e distribuída pelas páginas de forma que, se você arrancar todo o miolo, é possível recompor a imagem, como num quebra cabeça? Enfim, cada publicação tem sua própria inovação, o que não aconteceu aqui. As artes são sim muito bonitas, mas, além de serem um tanto quanto genéricas, não conversam com a obra de nenhuma maneira. Começando pela capa, temos aqui a mesma capa que a do selo britânico da Penguin, Vintage Classics, apenas recriado com o estilo das demais ilustrações. Além disso, a figura do Drácula é tratada com completa ambiguidade, ora representado por traços masculinos e sedutores, ora por imagens demoníacas, ora pelo Nosferatu? Os prólogos também não ultrapassam a linha da banalidade e não conseguem adicionar em nada na experiência de leitura, exceto pelo texto do Daniel Serravalle de Sá, que ainda traz um pouco de luz ao autor multi-talentoso que contribuiu muito com o halloween.
Dessarte, agora você já tem uma boa visão de como se preparar para ler Drácula e qualquer outro clássico. Não esqueça de procurar uma boa edição se quiser ter uma leitura completa, e, no caso do Drácula, não faça como eu e compre a edicão da Darkside que, além de ser muito bonita, também é cheia de conteúdo adicional.