spoiler visualizarLuís Otávio 13/06/2020
Geni e Lucíola, cada qual com seu Zepelim
A crueldade sob a qual Lúcia foi exposta, sacrificando-se sempre em favor dos demais, mesmo em favor daqueles que lhe destratavam, me lembrou imediatamente Geni (de Chico Buarque). Ambas essas mulheres viviam sendo desejadas pelos homens como objetos de prazer, mas desprezadas pela sociedade, como se a sua beleza e liberdade fosse uma afronta áqueles que dividiam o mesmo espaço geográfico que elas.
Na música, após a intervenção da sociedade Geni decide entregar-se à seu carrasco; no livro, Lúcia, após o cortejo respeitoso que recebeu de Paulo decide entregar-se ao amor. No entanto, Paulo inicia amando Lúcia por completo, por senhora, mas a cada conversa com os demais personagens passa a enxergar Lúcia com as lentes que os outros lhe puseram aos olhos. E sempre volta se desculpando; e Lúcia, amando, sempre o desculpa mas a cada vez adquire mais castidade em relação a seu amado, como para se proteger dos próprios pensamentos e julgamentos dele.
Das coisas que me chocaram no livro estão os motivos que levaram Lúcia a vida de cortesã e a idade da personagem (19 anos!). Uma história trágica, de uma mulher que desde o princípio da sua infância foi vilipendiada pelo amor: primeiro pelo amor por sua família, depois pelo amor por Paulo, amor este que a libertou e a condenou ao mesmo tempo.
Lúcia foi vítima da lógica moral implacável da sociedade patriarcal, que ordena que a mulher seja casta mas ao mesmo tempo seduz essa mulher para perder tal castidade e, quando isso acontece, apenas a usurpada é punida, enquanto o usurpador continua com sua moral intacta. Da mesma forma que a cidade não aceitou Geni ser tratada por Dama, também não aceitou que Lúcia fosse tratada por Senhora. Seja em qualquer época, a mulher sempre sofre das mesmas chagas: sempre feita para apanhar, sempre boa de cuspir. Maldita Geni. Maldita Lucíola.