Livros da Julie 01/05/2023Uma história impactante que atesta o enorme talento de Slimani-----
"Ter vontade já é ceder."
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"fez um filho pela mesma razão que se casou. Para pertencer ao mundo e se proteger de qualquer diferença com os outros. Ao se tornar esposa e mãe, ela se cercou de uma aura de respeitabilidade que ninguém pode lhe tirar."
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"esse sentimento mágico de tocar com os dedos o vil e o obsceno, a perversão burguesa e a miséria humana."
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"A uma viúva se perdoam muitas coisas. A tristeza é uma desculpa extraordinária."
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"o que excita a alma é justamente ser traída pelo corpo, que age contra a sua vontade, e assistir essa traição."
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"A gente sempre acaba pagando pelas mentiras"
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"As pessoas insatisfeitas destroem tudo em volta delas."
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"O amor não passa de paciência. Uma paciência devota, violenta, tirânica. Uma paciência insensatamente otimista."
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No jardim do ogro foi o livro escolhido para janeiro no Clube de Leitura Oh là là, promovido pela @eleonora_ribeiro.
Adèle parece levar a vida que muitas mulheres adorariam ter. Dona de uma carreira vibrante e renomada, ela é casada com um médico cirurgião, tem um filho pequeno e mora em um ótimo apartamento, em um dos bairros mais famosos de Paris. No entanto, ela não está satisfeita. Para preencher o vazio que a consome, ela só precisa de uma coisa: sexo.
Não importa com quem, como, onde ou quando, mas sempre. Seus dias giram em torno dos casos extraconjugais, dos encontros fortuitos, da caça constante, das inúmeras mentiras inventadas para saciar seu vício. Será que ela conseguirá sustentar essa vida paralela por muito tempo ou seu castelo de cartas eventualmente cairá?
O início parece um tanto obscuro, mas logo nos situamos na história. A escrita de Slimani é extremamente fluida, o que permite uma leitura bem rápida. Os olhos correm pelas páginas e é impossível parar de ler.
Como em sua outro livro, Canção de Ninar, Leïla nos traz um livro bastante pertubador, apresentando uma faceta feminina raramente explorada. A autora expõe sentimentos, emoções e reações incomuns de modo tão direto e cru que chega, por vezes, a chocar.
Tem-se aqui uma protagonista que tentou seguir uma trajetória "normal" apenas porque acreditou que o papel de esposa e de mãe a afastaria dos intensos desejos que a governavam. A verdade, porém, é que ela não aguenta mais essa situação. Ela se sente completamente entediada e não consegue suportar a família, os colegas e o trabalho. Nada mais importa, a não ser a incansável busca pelo instante de perfeito prazer.
É bastante difícil se colocar no lugar de Adèle e entender sua motivação. Sentimos enorme pena da personagem, pelo evidente distúrbio psiquiátrico que a consome, pela carência e pela necessidade doentia de chamar a atenção. Ao mesmo tempo, ficamos indignados com suas atitudes frias e distantes, com a falta de consideração com aqueles a quem diz amar e com as péssimas decisões que toma, conscientemente colocando não só sua saúde, mas a de outros em risco.
A rodo momento nos perguntamos por que Adèle simplesmente não pode ser honesta consigo mesma, assumir sua ninfomania e sua natureza errática e dar outro rumo à vida, libertando-se de tudo o que considera e trata como um fardo. Infelizmente, ela não se preocupa com o sofrimento alheio e também parece incapaz de deixar de causar sofrimento a si mesma, contentando-se com as satisfações momentâneas obtidas.
O final é daqueles de dividir opiniões, mas foi coerente com todas as circunstâncias apresentadas ao longo da história. De todo modo, não havia saída fácil para a trama. Qualquer solução tradicional pareceria inadequada.
Vale destacar a participação da tradutora, Gisela Bergonzoni, no encontro do clube. Foi ótimo conhecer seu percurso literário acadêmico e profissional, sua percepção pessoal sobre a autora e a obra, e as minúcias do seu trabalho de tradução, que se beneficiou largamente de sua vivência na França.
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