Dudu Menezes 24/12/2023
Poucas palavras para se dizer tudo
Primeiro livro que leio do guatemalteco Augusto Monterroso, "A ovelha negra e outras fábulas" é imenso em conteúdo, embora breve em número de páginas - 93 no total. Esta é uma edição da saudosa Cosac Naify, que encontrei em um sebo.
Posso dizer que se trata de uma jóia rara. Considerado o "mestre dos microcontos", Monterroso faz das fábulas um ato revolucionário. Aqui, literatura, psicanálise, política e filosofia se interconectam de modo a lançar luz sobre acontecimentos históricos, mas, também, às nossas relações cotidianas, que se refletem no comportamento humano.
Da perspicácia para observar que o coelho é mais corajoso que o leão, já que este último "ruge" e "ameaça", porque é movido pelo medo, enquanto o outro "se retira, depressa, por não querer perder sua paciência e acabar com aquele que está fora de si", passamos por uma mosca que "sonhava em ser águia", uma coruja que "queria salvar a humanidade", uma girafa que "compreendeu que tudo é relativo" - tanto para salvar a própria pele quanto para aceitar que a história apresenta diversas versões de um mesmo fato, narradas conforme interesses diversos.
Monterroso é, sim, genial! Li e reli os contos. Breves, mas afiados. Curtos, porém profundos. Poucas palavras que dizem muito e, sobretudo, em tempos como os de hoje, nos convidam a dizer somente o necessário. Mais do que isso, até. O convite pode ser para que, sempre que possível, a gente possa se comunicar por metáforas. Como definir o "bem" e o "mal" se, nem sempre, "o que faz o Mal é mau e o que faz o Bem é bom"?
Monterroso era um leitor voraz, autodidata e militou, secretamente, contra a ditadura de Jorge Ubico. Lembrando que o escritor precisou se exilar, em 1944, fugindo da repressão militar que se abateu sobre a Guatemala, após a Revolução de Outubro, quando os militares, apoiados pelos Estados Unidos, impuseram uma ditadura sangrenta, no país latino-americano, com o objetivo de barrar o processo de reforma agrária.
Com inteligência e ironia, Monterroso nos convida a pensar sobre muitos temas, como no caso das "ovelhas negras", fuziladas e depois, mediante arrependimento do rebanho, homenageadas com "estátuas equestres".
#augustomonterroso