Guilherme 25/01/2011
Clarice, Clarice...
Meu contato com essa autora sempre foi pequeno; apesar de muito ouvir falar. Devo ter lido algum conto na escola, numa aula de português, de filosofia, talvez. Devo ter lido centenas de frases (algumas apócrifas) na internet, em sites de relacionamento, em subnicks de msn's, como todo bom internauta.
Acontece que minhas aulas acabaram, os vestibulares passaram e voltou aquele vazio que só uma boa leitura é capaz de preencher, infeliz daquele que faz das férias o governo do tédio.
Pois bem, meti uns vinte reais no bolso e andei até a livraria aqui do meu bairro. O lugar é bastante ajeitado e, por algum motivo (capricho da dona, talvez) tem uma mesa, na frente de uma coluna toda dedicada a Clarice Lispector, com as principais publicações e até um retratozinho charmoso. Fui fisgado pela curiosidade - O que teria essa mulher em seus livros pra merecer tal... altar? Reconheci alguns títulos, sugestões de amigos, "A hora da estrela" que será minha próxima aquisição e "Laços de família" - "Uma seleção importante de contos da Clarice. Tem que ler Clarice, pra ser uma pessoa boa."; lembro do meu professor de Filosofia.
Dei uma folheada no livrinho enquanto caminhava até minha casa, pra ver títulos como "Preciosidade", "Feliz Aniversário", "A Imitação da Rosa"... "Uma Galinha". Tentei imaginar o assunto, sobre o que tratariam esses nomes, mas pouco pude fazer. Até porque eu tinha um olhar bastante errado quanto à autora; confesso que a imaginava uma mulher vulgar, uma ucraniana com todos os seus cacuetes e um sotaque... e vulgar, de uma vulgaridade chique, de quem está acima de todas as outras mulheres. Culpa dos trechos mal usados que esbarraram em mim noutros tempos.
Então cheguei em casa e li, li com a vontade de sempre, como quem bebe água fresca depois de dias de sede. E então percebi. vi do que se tratava o título, os laços de família, as quase correntes que prendem a felicidade, essa barreira de convivência e de modos que só fazem podar o amor. E aquela ucraniana foi ficando mais amarga, menos vulgar à medida que era agressiva; e pegava aquelas feridas de dias ruins e as abria. Fazia sangrar.
E os contos passavam, e as páginas deslizavam, como os dias, como os anos que a gente finge esquecer. E aquela Clarice do meu preconceito foi embora, pra poder vir outra Clarice, uma Clarice assim só minha, que não ignora os erros e os defeitos, que faz deles os motivos de se ter histórias pra contar, que põe a dor nas linhas e deixa a beleza pras entrelinhas(com o perdão da minha mediocridade no jogo de palavras). E assim passaram, em poucos dias, umas cento e trinta páginas em treze contos de uma autora que, como poucos de nós, tem o dom de sentir.