Aquela que tá olhando pro céu 13/07/2021
Entre laços entrelaçados de ternura, desprezo, amor
Já me tinham avisado antes que ler Clarice Lispector era especial e específico. Para que não me deixasse enganar achando que era uma leitura fácil e simples, levada pelo cotidiano de suas histórias e as expressões que remetem à vida comum de cada um, pois, por debaixo da descrição de jardins, animais, famílias e personagens de classe média ou baixa, estava a profundidade de uma mente brilhante e complexa, duma visão sensível e cândida da realidade.
Logo na primeira página percebi a sua complexidade intrínseca. Fui profundamente tocada pelo modo poético como ela foi capaz de descrever, novamente digo, coisas cotidianas! Simples! Por meio de suas palavras tão bem articuladas e de descrições detalhadas, mas não prolixas (o que foi simplesmente ótimo), minha atenção ficou presa do início ao fim. Ao mesmo tempo, quis ler aos poucos, como se o livro fosse um doce que eu quisesse comer devagar, para poder me deliciar aos pouquinhos.
É sensacional, belíssimo, poético, limpo... É assim mesmo como a vida é. Um olhar, tocar, caminhar, nunca é apenas um olhar, tocar, caminhar. Sempre, consciente ou inconscientemente, nossas atitudes são frutos de pensamentos íntimos, experiências passadas, e toda a oblíqua mente nossa, cheia de medos, felicidades, arrependimentos, delícias. Ao descrever Laura admirando as perfeitas rosas de sua sala, Clarice não diz apenas sobre uma mulher e um arranjo de flores. Fala sobre a premente necessidade de possuir, da segurança em ter algo belo para chamar de seu, quando não se vê no introspectivo a beleza ou a sanidade que se almeja. Ou sobre o desconforto de se presenciar a perfeição. Quando nos conta o desconcerto interno de Ana ao ver um cego, e toda a maneira como ela se encontra num ataque de ternura com este encontro, Lispector nos convida a meditar sobre a natureza da própria bondade; do nosso próprio olhar para o mundo, e como há essa cruel necessidade de vez por outra se esquecer do sofrimento alheio para poder viver a própria felicidade. Todos os contos, sem exceção, trazem metáforas que nos fazem mergulhar dentro de nós mesmos, ao mesmo tempo que na mente tão bela e infelizmente melancólica de Clarice.
Não conheci a escritora, mas posso imaginá-la, em substância, como uma mulher sensível e forte, que vê a beleza da vida e a sua fatalidade, e sente uma mistura, tanto de felicidade quanto de melancolia.
Foi tão lindo que ainda estou sorrindo depois de ler, e tenho certeza de que não pude compreender tudo o que ela quis passar por meio deste acervo de contos. Mas eu nem preciso.
MUITO BOM AA.