Impressões. E digitais. 17/05/2020
Viagem ao centro da terra
Sob domínio da imaginação e fortes influências de sua paixão pelas ciências naturais, Julio Verne maneja-as em conjunto - como quem maneja as duas pontas de uma mesma corda -, e nos faz descer pela cratera de um vulcão islandês com um inegociável destino: o centro da terra.
Companheiros nossos de viagem, três personagens compõem um grupo heterogêneo, representativo das qualidades - que descobrimos interdependentes - da sabedoria, da frieza e da temerança.
Mesmo que nos afastemos dos fundamentos científicos na proporção em que descemos mais fundo e damos continuidade à expedição, é curioso observar que o autor não atribui aos fenômenos narrados explicações milagrosas ou mágicas, procurando justificá-los por meio teorias escanteadas pela comunidade científica e por leis da física - ?por maiores que sejam as maravilhas da natureza, nunca deixam de ser explicáveis pelas leis da física?.
Depois, a cada passo entre as paredes rochosas, muitos são os termos técnicos relativos à geologia, o que se torna uma pedra no sapato, com o perdão do trocadilho, do leitor impaciente.
Esse rigor de detalhes contrasta, todavia, com as datas anotadas ao longo das passagens, por vezes incongruentes; e com os primeiros capítulos, de leitura bem desenvolta e calcada na escrita espirituosa do autor.
A curiosidade pelo desconhecido, somada à escrita descritiva que faz com que nos espantemos com o mundo subterrâneo e nos sintamos nele, com todo o frio na barriga inerente, justifica o sucesso entre o público jovem do século XIX - quando o homem somente tinha alcançado 1,2km terra adentro - e a conquista de leitores contemporâneos, também ávidos por aventura.
Julio Verne tinha razão ao afirmar que essa viagem não é destinada a ?pessoas habituadas a nunca se espantar?, mas aposto que, desde 1864, nenhum leitor saiu ileso.