Resenhas - Torto arado

Cassio Kendi 21/06/2021

Terminada a leitura do livro, assisti ao episódio do Roda Viva com Itamar Vieira Júnior. Uma das últimas perguntas feitas, "Como foi terminar Torto Arado?", teve como resposta "(...) o que ficou foi a saudade, eu tinha uma saudade imensa". Explicou que as duas irmãs, personagens principais do livro, viveram tanto tempo em sua cabeça, que sua reação ao receber o primeiro prêmio literário em Portugal foi celebrar com elas, como se elas fossem vivas: "Eu não acredito, meninas, vocês atravessaram o oceano".

Senti algo parecido ao fechar o livro. As personagens são tão fortes que parecem saltar das páginas. Pelos olhos delas, pude experimentar as mais diversas formas de relacionamentos: relacionamentos familiares e amorosos; relações de poder e trabalho; conexões do cotidiano com o espiritual; ligação do ser humano com sua terra. Fiquei impressionado com a habilidade do autor em retratar uma região do Brasil e a história de um povo de maneira ao mesmo tempo real e poética.

É um daqueles livros que me faz sentir grato por saber ler em português, e ter a possibilidade de ler a obra original.

edit: Após escrever a resenha, vi outro vídeo do autor, desta vez sendo entrevistado pelo Leandro Karnal. A entrevista toda é muito boa, mas a pergunta de que mais gostei está no instante 40:27, em que é explicado o significado por trás da frase final do livro

Bookster Pedro Pacifico 23/02/2021

Torto Arado, de Itamar Vieira Junior
Não tenho dúvidas de que 2020 foi o ano do “Torto arado”. Vencedor de dois prêmios literários de extrema relevância (Prêmio Jabuti e Oceanos), o livro de Itamar também conquistou o gosto do público leitor. E com tanta crítica positiva sobre o livro, fica até difícil fazer comentários, seja pelo risco de ser repetitivo, seja pelo medo de fazer algum comentário que possa ir contra a opinião do público.

Por meio da voz das irmãs Bibiana e Belonísia, o autor constrói de forma sensível e humana a herança de um passado escravagista que perdura no território brasileiro, mais especificamente no sertão baiano. E quando a gente fala em dar “voz” às personagens, Itamar dá voz aos silenciados. Talvez seja esse o significado por trás da marcante cena que inaugura a narrativa e que vai perseguir os moradores de Água Negra: a mutilação de quem desde criança já está condenado à submissão social. É a mutilação pela memória.

Ao redor de Bibiana e Belonísia, outras vidas são apresentadas ao leitor. Histórias muito bem entrelaçadas por Itamar e que deixam clara a dureza da vida no sertão nordestino. Vive-se com muito pouco, porque não se pode ter mais. Deve-se obedecer para poder seguir vivo e manter viva a família. Se de um lado há poucos que se aproveitam dessa situações, são tantos aqueles que sofrem para sustentá-la. Todo esse cenário é acompanhado não só pelo leitor, mas também por Santa Rita Pescadeira, uma entidade que já há muito tempo compartilha o sofrimento desse povo cheio de fé.

Uma leitura fluida, mas que merece o seu próprio tempo para capturar tamanha densidade em poucas páginas. É refletir sobre a denúncia de uma sociedade que ainda é profundamente marcada pelo seu passado em que a escravidão era tolerada. Se depois de tanto tempo uma lei veio para proibir, será que a realidade realmente obedeceu a letra que mancha o papel?

Nota: 10/10

site: http://instagram.com/book.ster

Gláucia 06/11/2020

Torto Arado - Itamar Vieira Junior
Lido para o Fórum Entre Pontos e Vírgulas onde o livro foi discutido entre leitoras queridas.
Gostei muito do início, começou dinâmico e misterioso (o lance da faca) mas no último terço ficou lento e repetitivo. Cheguei a verificar umas 3 vezes se tinha realmente apenas 264 páginas pois me deu a sensação de ser mais longo.
Muito se discutiu no fórum sobre o fato de ter um quezinho de planfetário mas isso não chega a me incomodar. Só me senti enganada no final pois a história da faca me levou a crer num toque de fantástico que não existiu.

Flávia Menezes 01/06/2021

A que não podia falar, era a única que eu queria ouvir.
Há uns bons anos em que eu não me permitia aventurar em uma história da literatura brasileira, até esse momento. Sendo assim, vale a pena ressaltar que depois desse longo tempo, sinto uma desconexão minha com esse tipo de literatura. Penso que a literatura nos atinge de maneiras diferentes, e nossos gostos se encontram naquelas que mais facilmente acessam a nossa alma, e a elas melhor representa.

Dito isso, quero enfatizar que essa minha análise se deve a como a narrativa me atingiu, e como me senti durante a leitura. Tendo ressaltado esse ponto .... vamos lá!

?Torto Arado? é uma história contada através do discurso indireto, ou seja, aquele que é narrado, sem a presença de diálogos que se iniciam com travessões, com uma narrativa que possui uma focalização externa, sendo alternada entre três narradores diferentes, cada um compondo um capítulo em que se limita a descrever as ações dos personagens.

A primeira narradora é Bibiana, uma das protagonistas da história, e sua parte da narração é aquela que sofre mais avanço cronológico da história. São muitos anos que se passam rapidamente, e confesso que isso me fez ser muito pouco impactada por essa parte da história. Tudo acontecia tão rapidamente, com uma economia de detalhes, que nem dava tempo de me conectar com os personagens e saber como eles se sentiam. Eram apenas descrições, e confesso, me senti bastante entediada, apesar da profundidade dos fatos que eram contados, e todos os sofrimentos que eram vivenciados pelos personagens. A sensação era de uma economia de detalhes, que deixavam vários pontos de interrogação pelo caminho.

Na segunda parte, a narrativa muda para Belonísia, e nesse ponto, por alguns capítulos, a história caminha um pouco mais devagar, e podemos aproveitar mais do que a narradora nos mostra, e aí sim, me senti mais conectada. Pude sentir a força da protagonista, sua coragem, mesmo vivendo uma vida tão humilde e tão cheia de sofrimentos. Fiquei tão cativada pela forma como ela me contava sua história, como me falava dos seus sentimentos, suas dificuldades, e me emocionei quando falou da sua amizade com Maria Cabocla, e na sua reaproximação com a irmã Bibiana. Porém, um evento trágico acontece, e a história passa a ser contada através de flashback, e aí, é só uma narrativa daquela que ?ouviu sobre?, mas que não vivenciou essa parte da história. E mais uma vez eu me perdi em uma sequência de descrições, que voltou a me desconectar dos personagens. Além de me deixar um tanto entediada.

A terceira parte, e para mim a mais cansativa na questão das descrições, uma nova narradora entra em cena, e mais uma vez é pura descrição, de alguém que não viveu o que contava, mas apenas viu. Para mim foi o suficiente para impedir que a ligação emocional voltasse a acontecer, e eu fiquei muito feliz por ser uma parte curta, e a história acabar.

?Torto Arado? tem uma história bem descrita de um regionalismo e de personagens que carregam a tristeza de quem não tinha uma vida abastada naquela região, em uma época remota. Não vejo como nada diferente do que podemos encontrar em qualquer cidade do país, em uma casa simples, habitada por moradores que não possuem muitas condições financeiras. A luta é a mesma, as questões políticas são as mesmas, a desigualdade é a mesma. Só muda a região do país.

Para quem gosta de literatura brasileira: leia, pois sem dúvida você vai se encantar com a história. Para quem nunca se aventurou, ou não tem tanta afinidade como eu: dê uma oportunidade, se estiver disposto(a). Sem dúvida, é um livro bem escrito, com uma história que, para mim, não é só regional ou temporal. Ela ainda acontece nos subúrbios e em lugares onde a desigualdade do nosso país quer gritar, porém continua emudecida como Belonísia. E que de fato, possamos todos ter a coragem e determinação dessa protagonista tão guerreira, que sem dúvida é a grande estrela dessa história.


Obs.: o que me intrigou bastante nessa história foi a insistência do autor pelas relações simbióticas. Embora os personagens fossem forçados a viver a sua singularidade, me pareceu haver uma grande importância nessas conexões. Mas... é apenas uma observação.

Aline221 18/01/2022

Necessário e surreal
É indubitável que Torto Arado se tornará um clássico indispensável da literatura brasileira. Com pitadas de realismo mágico que remetem ao estilo do colombiano Gabriel García Marquez e com claras inspirações a autores brasileiros como Guimarães Rosa, Milton Hatoum e Raduan Nassar, Itamar Vieira Junior inaugura-se como autor em um cenário ao qual precisávamos de uma obra contemporânea que aflorasse um lado brasileiro até então desconhecido por muitos - o do sertão nordestino por uma perspectiva feminina e negra, nas quais as personagens carregam consigo dor, sofrimento, sororidade, relutância e sobrevivência, além de trazer à baila a opressão, a exploração dos corpos, e o direito a terra e ao fruto de seu trabalho.

No decorrer da narrativa, a qual, inclusive, possui uma linguagem fluida e bastante acessível, refletimos questões étnicas e raciais, direitos humanos, religiosas e manifestações culturais que nos conduzem a realmente vislumbrar todos os cenários, todos os acontecimentos da vida de Belonísia, Bibiana e sua família, acontecimentos que perpassam a mera efêmeridade da vida. As metáforas construídas sutilmente pelo autor (chamo atenção para a principal - a decepação da língua de Bibiana), contribuem fortemente pra que sintamos na pele a dor das protagonistas e do que elas e os demais personagens representam. Sentimos, lendo Torto Arado, a dor do racismo estrutural. A dor dos que não tem terra, dos que não tem lar. A dor das mulheres que sofrem violência doméstica. Sem dúvidas, uma obra que merece todo o destaque que vem ganhando. Espero que a sua mensagem, sua poesia, chegue a cada vez mais pessoas, e que Itamar nos presentei com outro livro em breve.

Lucas.Batista 26/01/2021

Dos contemporâneos, um dos melhores.
É, de fato, um alento ler um livro como Torto Arado em 2021. O autor (Itamar Vieira) possui um domínio sob a narrativa que está cada vez mais escasso nos dias atuais.
Além disso, é um livro com linguagem e estética bastante críveis e brasileiras.
Creio que junto ao Mussa, Itamar será, possivelmente, meu autor brasileiro favorito dos anos 2000.
Algumas escolhas narrativas repetitivas, principalmente na parte final do livro, não me agradaram tanto, mas a qualidade da obra como um todo é inegável.
Recomendadíssimo.

Emily585 28/12/2023

Eu já tinha interesse nesse livro por conta dos criadores de conteúdo literário, mas o que motivo mesmo a ir conseguir o livro para ler foi o vestibular. Eu amei a leitura, a intensidade do livro, os relatos que possivelmente podem ser de pessoas reais e não fictícias, todas as lembranças contadas, as boas, da paixão pela terra, das crenças, as má lembranças, das mortes, do trabalho análogo a escravidão. Tudo isso narra uma história rica em detalhes, em luta e sofrimento, a superação, nos mostra como o ser humano pode ser alguém terrível, e como os seres humanos têm força e garra para super e continuar lutando pelas injustiças.
Eu espero que lutas como a desse livro acabem, que elas não precisem mais acontecer, que todos possam ser livres de verdade, mas é claro sem esquecer do passado e não faze-lo se repetir

lucianomdjr 04/12/2021

Tô aqui me perguntando o porquê de não ter lido antes!!!
Já entrou fácil na minha lista de leituras preferidas do ano. Narrativa, escrita, personagens, ambientação... tudo excepcional.

Cleber 21/02/2021

" O medo existe, mas a coragem se sobrepõe a esse medo."
Não tenho mais o que falar sobre esse livro incrível. Um livro premiado e super elogiado por público e crítica. Vejo no livro de Itamar, uma história viva, pulsante e universal. Vejo ecos de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Jorge Amado e principalmente, a escrita fabulosa de Itamar Vieira. Gostei muito da leitura e acredito que levarei sempre comigo a história dessas duas irmãs de Torto Arado.

13marcioricardo 26/01/2023

É tudo isso sim.
Meus senhores e minhas senhoras, sim, o Torto Arado é realmente tudo isso. O autor nos traz uma história de uma comunidade que vive no fim do mundo, numa fazenda do interior baiano.

Em Água Negra residem descendentes de escravos e indígenas, ou quem não tem onde morar. A história é sobretudo sobre duas irmãs, seu trajeto e as pessoas à sua volta. Dividido em três partes, Bibiana narra a primeira, Belonísia a segunda e a terceira vocês terão que ler. Vale a pena, acreditem.

Com capítulos curtos, o livro atinge o auge ao final do primeiro e não sai mais do topo. Uma história fluída e bem amarrada, escrita de forma leve, mas bem pesada. Vemos como a pobreza é quase total, sobrando apenas a dignidade pela honra dos mais velhos, pela coragem de mudar dos mais novos e pela humanidade em meio a tanto sofrimento.

Explorados por seus senhores e seus capatazes, que além de se aproveitarem deles ainda sabotam eventuais progressos, a comunidade sofre ainda pela rejeição fora do ambiente que sempre conheceram. Por isso, também, com sua própria ignorância e crenças fantasiosas. A escassez moral, econômica, material, intelectual, espiritual, de saúde e tudo o mais, é terrível.

Torto Arado não deve demorar muito a ser leitura recomendada nas escolas, se é que já não o é. Ainda um recém nascido, mas podemos dizer, sem medo de errar, que já é um clássico!!

raphaseixas89 03/10/2022

É sim, um novo clássico da literatura brasileira!
Acho que eu precisaria de mais tempo para fazer uma analise de Torto Arado, mas creio que com todas as emoções da flor da pele, acredito que fique mais próximo do valor literário e histórico que essa estória possui.

O livro é poesia pura a cada página lida, conhecer as personagens Bibiana e Belonísia, da infância até a velhice, em um período que cobre mais ou menos 50 anos na linha do tempo brasileira, faz a gente ter um apreço como poucos personagens. E falar sobre linha do tempo é curioso, porque ao mesmo tempo em que o texto nos dá pistas situando a história no interior da Bahia nos anos 70, auge da Ditadura Militar e terminando nos dias atuais, ele também é atemporal. E em um enredo que retrata escravidão, pode servir para qualquer século desse país, com sua dívida histórica que muitos ainda insistem em criticar.

E é isso que vemos nesse livro, trabalhadores, que por falta de opção, acabam aceitando trabalhos análogos à escravidão, sem receber qualquer dinheiro, passam o dia inteiro plantando e colhendo, alimentando-se do que a terra oferta, até o momento em que a senhoria confisca. É curioso ver o desenvolvimento de aceitação da injustiça social conforme andamento das páginas. Para os mais antigos, ter uma precária casa de barro e uma terra para trabalhar, mesmo que não haja qualquer beneficio financeiro, é digno de adorar os patrões. Para os mais novos, o desequilíbrio entre os que tem muito e outros com tão pouco e eminencia de levantar a voz contra injustiça, são reprimidos por medo e violência.

Esse pano de fundo, trás uma história de união entre das duas irmãs marcadas por uma tragédia, com tantas adversidades, a família e vizinhos são unidos em torno da religião e da benevolência. Ler Torto Arado é sentir na alma uma fração do que a população negra sofreu e ainda sofre neste país. País que que muitos insistem que o caminho é olhar pra frente e deixar o sombrio passado para trás, sem reconhecer todos os erros e injustiças enraizado na sociedade até os dias de hoje.

Torto Arado é uma luz em tempos tão sombrios, É a cultura brasileira sendo elevada ao posto que merece, é o retrato de um espaço de tempo tão próximo e que é difícil tirar as marcas da pele. Eu chorei, de risada e me revoltei, muito! Mas o sentimento é de esperança por tempos melhores.

Daniel Neves 11/08/2021

Envolvente!
Difícil não se emocionar com a história de Belonísia e Bibiana! Recomendo demais essa obra que apesar das poucas páginas é gigante!

Bia 23/07/2021

torto arado
faltam-me as palavras para descrever tudo o que este livro representa. talvez, mais tarde, regresse e escreva uma resenha completa que faça justiça a belonísia, bibiana, severo, zeca chapéu grande, salustina, donana e a todas as comunidades quilombolas, que são um exemplo de resistência em todo o território brasileiro! até lá, fica a minha recomendação de uma obra que virou favorita para a vida.

Gui 31/08/2021

muito muito bom
durante a própria leitura do livro eu não conseguia parar de pensar que, com certeza, esse livro vai se tornar um clássico da literatura brasileira no futuro.

a escrita poética e perfeitamente desenvolvida do autor faz com que a conexão com os personagens ocorra de maneira leve e instantânea. além disso, a divisão do livro com três pontos de vistas diferentes torna a história ainda mais interessante.

uma narrativa, triste, sofrida, dura e pesada. contudo, extremamente necessária. recomendo o livro para todos. uma leitura obrigatória.

Fabianne 30/04/2023

Uma obra de arte pura e genuína
E eu que pensava que somente Chico Buarque tinha o poder de escrever sobre o universo feminino com tanta eficiência e sensibilidade. Mas agora me deparo com Itamar Vieira Junior.

Itamar criou um universo fictício para falar sobre escravidão contemporânea, racismo, machismo, preconceito religioso e violências diversas, pela voz de duas mulheres, Bibiana e Belonísia, que sofreram um acidente na infância que irá uni-las por toda uma vida.

Elas inicialmente vivem em condições de trabalho análogo a escravidão com sua família formada pela avó, pai e mãe. São pessoas simples, desprovidas de alfabetização e cuidados básicos que uma sociedade deveria ter com elas.

Criminalizadas seguem sobrevivendo e morrendo, estudando e cuidando da terra. Crescendo como podem.
Torto arado irá refinar sua empatia e respeito com o povo que lida com a terra. Um povo de crenças e culturas religiosas, que ainda hoje tentam ser apagadas pela ignorância enraizadas no coronelismo.