Jayne L. Oliveira 18/06/2020Um retrato da sociedade de seu tempo (e de 2020 também)Todo mundo conhece essa história, certo? Filme de comédia romântica queridíssimo de 2001, com Renée Zellweger, Colin Firth e Hugh Grant. Bridget é uma mulher na beira dos seus 30 anos, frustrada no trabalho, com poucos amigos, família caótica e nenhum namorado. Alguém se identifica? É, pois é.
Eu sempre tive certeza que acabaria como a Bridget Jones das telas: sozinha, triste, bêbada de vinho barato, acordando os vizinhos ao som de "all by myself", da Céline Dion, tal qual a cena maravilhosa que abre o primeiro filme.
Tá, mas e daí?
Depois de 19 anos do lançamento do filme, resolvi ler o livro que deu origem à coisa toda. A adaptação cinematográfica é, por incrível que pareça, bastante fiel ao texto, com uma ou outra modificação feita porque funcionaria melhor no cinema (e na sessão da tarde). Completamente compreensível. Ajuda que a autora, Helen Fielding, também está envolvida na produção do longa.
O que lemos é o diário de Bridget, dia após dia tentando cumprir suas resoluções de ano novo: parar de fumar, diminuir o consumo de álcool, não se apaixonar pelo chefe perfeitamente idiota (mas muito sexy), gastar menos, emagrecer... E é aí que começa.
Por 319 páginas o que acompanhamos é briga constante de uma mulher com seu peso. Bridget não chega nunca aos 60kg, mas tá sempre reclamando do seu "caminho à obesidade". Sim, eu sei, a obra é produto de seu tempo e, sei lá, em 1996, quando foi publicado pela primeira vez era o padrão da época. Ok, eu aceito isso. Mas não é possível lê-lo hoje com a mente de 1996. Eu preciso olhar como esse livro reflete a sociedade hoje.
E "O diário de Bridget Jones" é um livro que talvez tenha envelhecido bem demais. Eu queria dizer que não. Queria dizer que a posição da sociedade hoje em relação às mulheres mudou, mas a verdade é que além de reforçar os estereótipos inalcançáveis do corpo feminino - a família e amigos de Bridget estão constantemente implicando com o peso dela: ela tá gorda demais (mas nunca acima dos 60 kg, lembram?) ou, quando ela chega no tão esperado 54kg, ela tá magra demais e "tava melhor antes". Aí, então, nossa protagonista entra na briga para ganhar peso... É um processo tão bizarro que de um registro para outro do diário o peso dela, às vezes, varia cerca de 2kg. Até fiquei pensando se não existe um distúrbio alimentar não descrito ali.
O livro também retrata uma competitividade tóxica entre as mulheres da história (quase sempre por causa de homens); coloca as mães à margem da conversa, sempre reduzindo-as àquele papel absurdo de "bela, recatada e do lar" ou simplesmente exclui as personagens porque, veja bem, elas têm filhos. E tudo isso acontece ainda hoje e de forma sistemática (ARGH!).
Além do peso, tem outro item que toma espaço demais do diário de Bridget: seu status de relacionamento. A felicidade da mulher é muito frequentemente reduzida à existência de um amor romântico. As mulheres são ensinadas a buscar, desde sempre, o príncipe encantado, a competir com outras mulheres pelo namorado perfeito e, bom, os homens não são ensinados a procurar pelo casamento para alcançar a felicidade. Eles são ensinados a buscar empregos melhores, cargos melhores, sucesso profissional (leiam "Sejamos todos feministas", da Chimamanda Ngozi Adichie. Ou vejam o TED Talks, legendado em PT-BR). Casamento, para eles, é plano B e olhe lá.
Tudo isso para dizer que, em Bridget Jones, é exatamente isso que acontece. Ela tenta desesperadamente chamar atenção do homem por quem está apaixonada (Daniel Cleaver) e que a trata muito mal, enquanto amigos e família insistem em procurar parceiros para ela (é daí que Mark Darcy surge) e duvidam quando ela diz que não precisa ou que já tem um. Quando ela finalmente resolve sair do emprego que ela odeia não é por interesse profissional, é porque seu namoro com o chefe deu errado!
Bridget é o tempo todo reduzida ao seu peso e/ou ao seu status de relacionamento.
Enfim. É isso. Ao mesmo tempo que reforça estereótipos que (eu espero) não cabem mais em 2020, O diário de Bridget Jones tem poucas partes críticas, mais "sãs" e acaba sendo uma leitura bem rápida se você procura distração completa e é capaz de abstrair dos absurdos.
Não lembro se o filme tem os mesmos problemas, mas a essência tá lá (e minha visão do filme é completamente afetada pela minha memória. Ele sempre foi meu lugar de conforto em tardes preguiçosas de sábado). E, para não dizer que só reclamei, vou deixar aqui uma curiosidade: Colin Firth e Hugh Grant são citados no livro. Colin, inclusive, como ator intérprete de Darcy. Vai ver isso influenciou na escolha dos atores, né?