LivroAleatorio 04/06/2024
"As pessoas sabem que estou aqui, mas não me enxergam"
Ler "Quando a luz apaga" foi difícil e sofrido, por trazer temas muito indigestos e difíceis de ler. Há muito descaso, muita injustiça, muita vida e esperança morta. Porém , que livrão, tanto de tamanho, quanto de narrativa!
Na trama, temos novamente o detetive Arthur Veiga, um detetive com TEA que está investigando o desaparecimento de pessoas em situação de rua.
O "vilão" desse livro me deu uma revolta muito forte. É uma pessoa muito indigesta, com crimes tão sórdidos que doem de ler.
O livro traz uma crítica social muito forte, fala da vida na rua, das neurodivergências e sobre a vida no teatro.
Quotes:
"Esperança sofre para crescer em terreno castigado pela seca de alegria."
"Enquanto caminhava pelas ruas, um sorriso ia pouco a pouco ganhando forma na expressão do homem, morador de rua havia três anos. Três anos. Engraçado, e triste, como parecia muito mais. Sua pele aparentava mais. Seu cheiro, seu cabelo. A pessoa vai se impregnando das coisas da rua, e, ao contrário do que se pensa, que a pessoa não consegue mais sair dela, é ela que não sai mais da pessoa. É uma simbiose, como se a rua fosse uma coisa viva, um organismo, em que um alimenta o outro, e os dois vão caminhando juntos em direção a lugar nenhum. Engoliu o sorriso, guardando a esperança do lado de dentro da boca. Aprendeu cedo a não ficar exibindo seus momentos de alegria na rua. Alegria no rosto de morador de rua muitas vezes é interpretada como vagabundagem por quem se acha mais merecedor de felicidade."
"É preciso dar uma perspectiva para as pessoas mais pobres, pela educação e pela assistência social. Mas quem está revoltado com a criminalidade não quer seguir esse caminho, sabe por quê? Porque vai demorar muito. A pessoa quer ver quem roubou o celular dela pagando a conta agora. Essa pessoa não quer pensar em fazer alguma coisa para daqui a dez, quinze anos, ter menos roubos de celular... O que interessa é prender o cara que roubou o dele. E a contradição está nisso. Se a pessoa que, teoricamente, quer uma sociedade melhor não consegue escolher o caminho que vai levar a isso porque vai dar algum resultado só depois de anos, como ela pode afirmar que, se ela tivesse a mesma vida do bandido, ela iria escolher o caminho honesto, que também é um caminho que pede paciência e leva mais tempo para colher as conquistas? Entende?"
"Porque é assim: enquanto o tempo passa, e enquanto a gente não conquista o que quer, vai comprando o que nunca pensou querer. Coisas que ocupam espaço, mas não preenchem o vazio."
"a grande magia dos livros é que vez ou outra você lê um trecho e pensa: nossa, isso aqui foi escrito pra mim! Mas aí você se dá conta de que não, aquele livro não foi escrito especialmente para você. E isso te deixa feliz. Porque você entende que outras pessoas também vão achar que aquele livro foi escrito para elas. E nessa hora você se dá conta de que existem outras pessoas como você. E você não se sente mais tão sozinho."
"Uma coisa ele já tinha notado em pouco mais de uma hora na rua, vestido daquele jeito: parecia ter descoberto a magia da invisibilidade. Eram raras as pessoas que olhavam para ele enquanto faziam seu trajeto pela calçada. A vantagem é que, se algum conhecido estivesse andando por ali ou cruzasse com ele em determinado momento, talvez nem o reconhecesse. Principalmente porque, para reconhecer alguém, é preciso olhar para a pessoa."
"? Eu sei. Eu sei. É difícil para algumas pessoas serem o que elas realmente são. Mas? Matias pigarreou?, se eu puder dar um conselho, é para você nunca mais fingir ser quem não é. Não importa o que as pessoas vão achar. Elas sempre vão achar algo. De qualquer maneira elas vão achar alguma coisa. Se você não der um motivo para elas, elas vão criar um. As pessoas são assim. Elas sempre querem alguma coisa para julgar os outros com conceitos inferiores para depois usar a imagem que criaram na cabeça como comparação com elas mesmas."
"Acho que a maior liberdade não é nem assumir ser hétero nem assumir ser gay; a maior liberdade é ser um e não ter medo de ser outro, porque não tem nada de errado em nenhum dos dois."