Idaiana Fernanda 12/06/2020
A realidade é que estou disposto a tentar...
Theo. Enigmático, perspicaz, audacioso. Acredita ser o último sobrevivente de sua espécie, um Caipora. Sobrevivência – uma luta que, para ele, já dura mais de 300 anos. O “muito” já visto por seus olhos e tudo o que vivenciou constituem a memória secular, histórica!, de nosso protagonista, ao mesmo tempo em que este tem visões, pesadelos e um pertinente bloqueio de sua história particular. Imerso em séculos de crueldade humana e atrocidades hediondas, Theo cansa de ser passivo e expectador, passando a interferir avidamente tornando-se um serial killer. Segador... Um justiceiro? Um defensor? Fica a depender de como e por quem é feita esta análise, porém, de certo, ele está muito longe de ser herói. Aliás, vale salientar uma forte característica de nosso “anti-herói”: cada um que o vê, enxerga-o de modo diferente. Fato que revela um dos questionamentos-chave do enredo: Você realmente é como as pessoas te enxergam? Apresentando-se da maneira mais conveniente para quem o vê, Theo acaba por tirar vantagens disso como pode e, apesar de ser evasivo no quesito “relacionar-se com alguém”, sua interação com os personagens secundários é marcante, além de cruscial para elucidar ou tornar ainda mais complexos os mistérios desta trama. A escrita flui em tom provocativo, levando o leitor a ler rápido em busca de mais respostas. Com personagens secundários autênticos, a autora Drak levanta inúmeros questionamentos relacionados a protestos e críticas sociais, e à maneira como alguns grupos humanos são marginalizados na sociedade. Nota-se que o elemento base para a construção da trama é o riquíssimo trabalho de pesquisa acerca do folclore brasileiro. A autora retrata as lendas de nosso país indo muito além das ‘águas plácidas e rasas’ as quais estamos acostumados, expondo a real face e origem de cada místico ser, evidenciando que não temos uma “mitologia” nacional, e sim uma miscelânea de histórias de entidades coexistentes – entre si e com as tantas outras de origens internacionais. O folclore brasileiro realmente é como as pessoas o enxergam? É intrigante como o livro tem todo um contexto super elaborado e que remete, direta ou indiretamente, a detalhes do cotidiano de cada leitor. Como se a história fosse um caipora – cada um vê de um jeito, associa às próprias referências, têm as próprias perspectivas. Perspectivas bem específicas! Espera-se que uma mesma história tenha diferentes significados para cada um que a lê, mas aqui temos isso de modo muito mais forte e ao mesmo tempo sutil. É realmente todo um universo existindo como um paradoxo ao que estamos "fadados a conhecer" limitadamente.