Lucas Rabêlo 14/01/2022
De personalidade ao personagem
Expoente da Geração Perdida, Fitzgerald, apesar dos louros do cânone literário que mantém, era criticado por extensores do mesmo movimento à época, como Hemingway, que dizia o colega se concentrar apenas nos macetes burgueses e classistas da sociedade. Não é novidade a alusiva bolha que Fitz retratou em todos os escritos, mas quem o lê sabe, o fazia imersivo, de conhecimento, sabia criticá-los ao passo que levantava uma taça para o brinde.
O termo estilístico do autor era responsável em exprimir a rotineira comportamental dos jovens de meados 1910-1930, em especial das consequências do pós Primeira Guerra. Os Estados Unidos mesmo de gaiatos, abarcou intensas resoluções à sua população, já nos estertores de se alçarem grande potência mundial (a Europa era um frágil inimigo em reconstrução). Sucedem a Lei Seca, Lei Mann e a Depressão de 30. Atreladas a elas, proibitivas quanto à indústria do álcool, à prostituição e economia, elementos moldáveis para os cidadãos norte-americanos, àqueles postos como futuro nacional, os acadêmicos, em demasia homens, das prestigiados universidades que incluíram o protagonista, Amory Blaine, alter ego de Fitzgerald, na sua lista de formandos.
Trajando a arte como manto de sua essência, transpôs nela sua existência. Tal qual Amory, o escritor veio de família bem nascida, de pai ausente e mãe herdeira - componentes cruciais de uma educação privilegiada, fez-se narcisista desde o crescimento até à adulteza, dava sua alma como belíssima, intelectual e rica, elenco para sua entrada ao púlpito das classes altas frequentadas. Dentro, a derrocada; ela vem mínima e certeira, quando se envolve com alunos de variados tipos e ideologias, percebe até ali uma formatura de personalidade, um punhado de personas, que o transfiguraram num amontoado de narrativas, afetações, trejeitos, decisões, pensamentos, nunca fieis ou fixos, era alguém em transição de ideais ou apenas, ninguém.
Necessária finda a Guerra para deixar Princeton, desfeita em sonhos e camadas, já não almejava os títulos das grandes ligas acadêmicas, ou a liderança estudantil para lhe premiarem com gracejos de popularidade, é a realidade batendo à porta de um sujeito agora órfão, desiludido amorosamente e economicamente; os poemas idealizados já não têm sentido; pleiteia às causas socialistas. Até o seu final, concretiza a natureza humana nua, num Amory estabelecido agora como um personagem, alguém de feições completas.
Ecos de um passado juvenil ambicionado e desmascarado, como é a função da literatura, é uma estreia corajosa de Fitzgerald. Em suma, nunca será seu auge, atingido anos depois com "Gatsby", mas que para alcançá-lo, necessitou moldar Amory, o pontinho de uma casta vista, sentida, inserida e descartada para demonstrar seu cinismo na América destilada no alcoolismo e em pérolas para disfarce de sua hipocrisia atemporal.