spoiler visualizarNan 06/02/2018
Não foi o que eu imaginava
Ano passado, durante minhas aulas de literatura americana, fui apresentada a um clássico que eu nunca dei muita bola, o Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald. Li o livro sem grandes expectativas, afinal sempre achei que nenhuma obra da literatura americana arrebataria meu coração, pelo menos não como as da literatura inglesa. Ledo engano, descobri, durante o ano, muitas histórias interessantes e ao final do curso, estava completamente apaixonada por Gatsby.
Claro que quando nos conectamos dessa maneira com um livro, é normal procurarmos por mais obras do autor na tentativa de recriarmos a mesma experiência emocional da leitura anterior. Por isso, procurei saber mais sobre as obras de Fitzgerald e foi a sinopse de Este lado do Paraíso, que narra as aventuras do jovem aspirante a carreira literária, Amory Blaine, durante sua juventude, que mais me chamou atenção.
O fato de se tratar de um romance quase autobiográfico deveria ter acendido um alerta vermelho na minha mente, mas não. Decidi dar uma chance a Amory, mesmo sabendo que raramente histórias biográficas conseguem me conquistar. No entanto, apesar de todo amor que senti por Gatsby (e talvez por conta disso eu tenha deixado as expectativas altas demais em relação a esse outro livro), a narrativa não conseguiu me arrebatar, infelizmente.
Para começar, o livro tem pouquíssima ação e em muitas partes, tem um tom excessivo de sermão. Isso já era de se imaginar devido ao aspecto literário do clássico, no entanto, considerei Amory um personagem raso, mas não no sentido de ser plano e não ter complexidade. Muito pelo contrário, Amory é sim um personagem com certos dilemas e até ideais em contraste. Só que eu não consegui me identificar com ele, ou ter dó ou torcer por ele, enfim, não senti nada, talvez um certo desprezo, mas não chegava nem a ser aquele sentimento revoltante, era mais como um inseto que fica te incomodando, mas nem por isso você fica revoltado. E em um livro, essa falta de conexão acaba sendo crucial para eu dizer que a história não me agradou.
Vou explicar. Amory é um jovem de classe alta em um período em que tudo era festa nos EUA. A famosa era do Jazz e da liberdade, quando o ideal do sonho americano começou a se espalhar e a tomar conta dos pensamentos da época. O pai dele ganhava muito dinheiro e a esposa gastava tudo o que podia sem qualquer discernimento ou preocupação, então nem é preciso dizer que nosso protagonista era egocêntrico e mimado.
Tratado pela mãe como um bibelô, ele fez o que todos os jovens da sua classe social faziam, foi para um curso preparatório e depois, para uma das faculdades mais conceituadas do país, Princeton. Só que ele não foi para lá porque tinha qualquer outra motivação que não fosse fazer o que todo mundo fazia. Acho que foi isso que me incomodou em Amory, você não consegue enxergar os desejos e objetivos dele e ele não parecia colocar esforços em nada do que fazia.
Durante seu tempo em Princeton, ele arrumou amigos, divagou tanto que até perdi minha concentração na leitura diversas vezes, gastou até não poder mais e como não tinha aptidão para esportes, arriscou-se produzindo algumas peças literárias. No meio do livro é dito que ele foi para a guerra, outra vez não por motivação, mas por falta de ter o que fazer. Então, a história dá um salto e ele já está de volta a sua vida de sempre, só que sem o dinheiro de seus pais, que faleceram e deixaram para ele alguma renda investida em negócios que Amory não tomou conta e acabou ficando sem.
No que o autor chama de livro dois, nós temos a parte que eu achei mais interessante que é a sua paixão arrebatadora por uma garota chamada Rosalind. A narrativa muda então de terceira pessoa para uma construção em forma de peça de teatro, portanto, sem muitas divagações e muito mais fluída. No entanto, o romance não dá certo, em parte porque apesar de Amory estar trabalhando em uma agência de publicidade, o que também não dura muito, Rosalind percebe que não havia possibilidade de um futuro junto dele que a permitisse continuar com os mesmos padrões de vida com que estava acostumada.
No final, o jovem, que um dia fora rico e mimado, deixou a sua fonte de riquezas secar e como nunca havia sido criado para o trabalho, principalmente para trabalhar para os outros, decidiu “aderir” ao socialismo. Sem carro, ele pega uma carona e começa a explicar para o pai de um falecido amigo a tal filosofia, mas o homem, que ainda desfruta de sua riqueza, não parece entender a base daquilo, ainda mais porque nem o próprio personagem parece acreditar de verdade naquilo que está falando.
Achei bem interessante e contemporâneo esse final, porque não importa os ideais, quantas pessoas nós não vemos hoje em dia que pregam uma coisa e vivem de um jeito totalmente diferente? Não só no contexto político, mas em muitos outros casos. Achei esse livro o retrato da hipocrisia e confesso que ler sobre a vida de um jovem sem objetivos que saia jogando dinheiro ao vento foi um pouco frustrante. Mais ainda, quando penso que essa foi quase que exatamente a vida de um autor que eu amei por ter criado o maravilhoso livro O Grande Gatsby.
No fundo, acho que fiquei um pouco decepcionada. Nós sempre procuramos imaginar que a vida dos autores seja quase tão magnífica como a dos personagens que eles criaram, mas de praxe, a realidade costuma ser muito mais entediante. Jay Gatsby pode até ter esbanjado quase tanto quanto Amory Blaine, mas o que diferencia esses dois personagens, é que o primeiro tinha um objetivo e lutou por ele até o fim, já o segundo vagava perdido, tentando se encontrar na vida.
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