Brubii 25/10/2024
O dia em que Urbano entrou em Escorpião
Li Morangos Mofados pela primeira vez quando tinha 15 anos e apesar de a experiência ter sido mágica e de ter me tocado imensamente, provavelmente não tive nem metade das percepções que tive quando reli aos 25, no começo desse ano. A redescoberta dessa obra foi pra mim como estar em uma montanha-russa ? no bom e no mal sentido. Através dos contos, Caio cria uma atmosfera específica do seu estilo de escrita e que é incomparável, triste, sombrio e muito poético.
O livro é dividido em três partes: O mofo, Os morangos e Morangos mofados. Eu vejo muita gente falando que os temas são bem divididos: O mofo fala da podridão e da queda de valores, enquanto Os morangos apresenta um respingo de esperança, mas acredito que pra mim tenha sido algo bem misturado. É possível sentir a esperança no mofo e a decadência nos morangos, assim como funciona na vida real. Entendo da seguinte forma: o morango é gostoso de se comer, mas pode ser muito azedo, assim como o mofo é incômodo, mas pode representar o fim de algo que já está pra lá de passado e já deveria ter terminado há tempos.
Ao longo dos contos, diversos personagens anônimos nos apresentam a crueza da vida através de contos curtos que relatam a resistência de pessoas que estão à margem por algum motivo ? seja por sua sexualidade, posicionamento político ou qualquer outra coisa. É válido lembrar que esse livro foi publicado em 1982, ano em que ainda perdurava a ditadura militar no Brasil e se ansiava por um ar de renovação. Tudo isso cria uma atmosfera para a obra que nos faz sentir um sufoco, uma necessidade de sair de um lugar de opressão e navegar pela liberdade de ser o que é.
Meu conto preferido foi "O dia em que Urano entrou em Escorpião", e é engraçado porque quando li pela primeira vez, meu preferido foi "Além do ponto". Enfim, é fato que a leitura me trouxe muitas reflexões e potencialmente trará para qualquer um que abraçar a obra e viver cada palavra que está sendo dita ali.
Um abraço especial para a Mari, que me recomendou essa leitura, me emprestou o livro lá em 2014 e certamente mudou o rumo da minha vida para a eternidade com essa indicação inocente kkkk
Não queria me prolongar tanto nessa resenha, mas não posso deixar de compartilhar um trecho que é parte das cartas que estão no final do livro. Segue:
"Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. N9ão tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo (...) Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a 'função social', nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de autoexorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora." (Carta de Caio a José Márcio Penido, 1979)
5/5 ?