spoiler visualizarJhon59 06/04/2023
Bem, a obra é de fato maravilhosa para dizer resumidamente. Dickens consegue retratar um momento histórico dentro da sua ficção com imensa perfeição. O leitor acompanha a vida de um grupo de personagens, com suas dificuldades, dramas familiares e questões de identidade, tudo isso enquanto é pintado um pano de fundo social.
A obra acontece em duas cidades, embora o foco esteja maior em Paris. Dickens retrata muito bem o descaso com o proletariado na dada época e a crise inglesa de desconfiança. Mas não há tanto o que comentar sobre o cenário inglês, eu diria. A Inglaterra leva a mão de ferro sua população, sem boas condições de vida, e eliminando todos os problemas sociais condenando inúmeros a morte. Essa é a Inglaterra apresentada ao leitor.
Na França, onde claramente existe um foco maior da história, a pré-revolução é galgada, com os descasos da nobreza para com o povo, os abusos em impostos que deixavam a população passar fome, enquanto a nobreza e a realeza viviam esbanjando dinheiro. O marquês Evremónd é o personagem usado para pintar o quadro da nobreza, o responsável por carregar nas costas, como personagem, toda crueldade e indiferença que a nobreza possuía com o campesinato francês. Dickens trás uma cena incrível, em que um garoto, filho de camponês, é atropelado pela carruagem do marquês, o qual não se importa com o acontecido, e ainda joga moedas para “compensar” a perda do pai. É uma excelente demonstração da barbárie que o povo sofria. Dickens faz o leitor sentir de perto, através dos personagens, minha sensação é de que desenvolvemos mais intimidade e proximidade ao que os franceses sofreram naquilo que chamamos de vida real. Dickens nos transporta para o passado com situações específicas, ainda que ficcionais, mas usadas para representar a realidade social da França pré-revolução.
Meu personagem preferido na obra é sem sombra de dúvidas Sydney Carton. Carton é um personagem cheio de crises de identidades, aquele que bebe para afogar as mágoas do motivo de estar bebendo. É aquele que se sente inútil, que sua vida não vale nada, mas que não se esforça para mudar suas atitudes. Carton é aquele que diz o que pensa, que tem as melhores falas, mas que no fundo é cheio de feridas, feridas que parecem nunca cicatrizar, e é por isso que ele achou que sua vida não havia sentido.
Acredito que o romance poderia ter sido um pouco mais curto. Algumas descrições, como as do Banco Tellson, foram um pouco além para mim, e se tornaram momentos um tanto chatos durante a leitura, por este motivo, a obra receberá meu 4,5 de nota. Mas ainda assim é um clássico de fato maravilhoso.
O processo revolucionário é intenso, e Dickens consegue demonstrar isso muito bem. O povo foi oprimido demais, e sem mais nada a perder, pois já não lhes restava mais nada, fizeram o que lhes restava. Se os opressores não querem mudar as coisas, teremos que derrubá-los e mudar nós mesmos. E então se inicia o Reino do Terror na França, que Dickens soube representar muito bem. A personagem Vingança, além de ser uma sedenta revolucionária, tem características que fazem jus ao seu nome. Ela não poupa esforças para de fato se vingar da aristocracia. A Guilhotina se torna um grande marco nesse período, e a forma como Dickens demonstra que era um prazer para os revolucionários ver cabeças aristocratas sendo decepadas é deveras hilária (mesmo sendo trágica), e intensa ao mesmo tempo. A senhora Defarge e sua psicopatia por cabeças me chateou desde o início, mas quando ela ameaçou a vida da pequena Lucie, eu desejei a morte dela e fiquei feliz com sua chegada pelas mãos da grande defensora da família.
A carta do Dr. Manette foi muito esclarecedora e interessante de se ler. Foi tão empolgante páginas que mal percebi o quanto ela foi longa.
E ao fim do livro, eu suspeitava da atitude de Carton, ele achava que sua vida valia menos que a de Darney, suas feridas nunca cicatrizadas o fizeram então se sacrificar por uma família que aos olhos dele, merecia viver em paz. Carton levanta inteligentes reflexões ao final, Dickens conseguiu apresentar uma boa análise da situação final dos franceses através do meu personagem preferido. De fato os franceses se tornaram os opressores que tanto almejaram retirar, a diferença é que levantavam a bandeira da Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou Morte (embora só conseguiram a morte) enquanto matavam seus compatriotas, enquanto a nobreza os matava indiretamente de fome. E na história real ainda abriram as pernas para Napoleão que os colocou sob julgo monárquico mais uma vez.
No mais, a obra meu agradou muito. Uma leitura fluida, em alguns poucos momentos chata com algumas descrições, mas nada que atrapalhe no geral. Tive uma boa experiência e recomendo a leitura, especialmente se houver um interesse histórico da revolução, pois mesmo se tratando de uma ficção, Dickens nos aproxima muito dos acontecimentos reais.