spoiler visualizarElizia 24/07/2011
O conto de duas cidades
“A mente humana, tão igual e tão diferente, dos dois lados do Canal da Mancha”
“A tale of two cities” ou “O conto de duas cidades” é umas das mais célebres histórias do escritor inglês Charles Dickens que mistura elementos de aventura, tragédia e romance. A novela publicada em formato de folhetim em 1859 constitui uma excelente fábula no melhor estilo dickensiano sobre o contexto histórico da Europa durante a Revolução Francesa.
As duas cidades correspondem a França e Inglaterra e o enredo gira em torno dos Manette, uma nobre família francesa, que procuraram exílio na Inglaterra antes do início da Revolução. A narrativa mostra, simultaneamente os episódios que se desenrolam em Londres e Paris, descrevendo a vida dessa família e os acontecimentos da Revolução e seus antecedentes.
O chefe da família, Doutor Manette, foi feito prisioneiro da bastilha, injustamente por 15 anos durante o reinado de Luís XVI, por falsas acusações e isso trouxe sérias consequências à sua sanidade mental. Quando finalmente conseguem tirá-lo da prisão, levam-no para a Inglaterra, onde fica morando com a filha Lucie.
Lucie casa-se com Charles Darnay um nobre francês, que esconde o verdadeiro nome de Charles Evremonde, já que é filho do Marques de Evremonde, um dos irmãos gêmeos, odiado na França. Diante da situação da França durante a Revolução e da prisão de um leal funcionário, Charles, o marido da filha do Doutor Manette, se vê obrigado a ir à França para resgatar esse amigo, mas ele também é preso e fica aguardando processo por traição à pátria (por viver fora do país), o que o pode levar à guilhotina. Com isso toda a família Manette, junto com seus criados e amigos íntimos, é forçada a ir até França para salvar Charles e acaba se defrontando com os horrores da Revolução. O final da história surpreende pelo fato de Sidney Carton, por ser muito parecido com Darnay, se sacrificar ao tomar o seu lugar e morrer na guilhotina no seu lugar, tudo em nome da justiça, e principalmente, de seu amor por Lucie.
A narração de Dickens ao retratar a história dos Manette é repleta de certo realismo com entretenimento; porém o autor não se detém em aspectos políticos, dando ênfase nos comportamentos dos personagens e apresentando uma narrativa que demonstra preocupação com as desigualdades sociais e precisão histórica.
Desde o primeiro parágrafo da novela, observamos a intenção do autor de descrever as reações perceptíveis na personalidade e vivências dos personagens decorrentes do momento histórico, como se observa na seguinte citação da abertura:
“It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to Heaven, we were all goingdirect the other way.”
Dickens explora de forma minuciosa o momento histórico que foi a Revolução, fala de sentimentos como a histeria coletiva que se apossou da população francesa, a sede por sangue que todos pareciam demonstrar, o medo, a inconstância psicológica, a naturalidade com que a morte era vista e as dificuldades em se viver em um ambiente assim. Dickens não retrata a revolução de forma genérica e nem faz menção a seus líderes ou seu cunho político, mas sim, coloca em evidência a conjuntura social e as decorrências físicas e atemporais que aquele momento histórico estava trazendo.
“Um conto de duas cidades” foi baseado na obra “A Revolução Francesa” de Thomas Carlyle, e consiste em uma narrativa carregada de realismo, na medida em que trata de uma história com forte conteúdo histórico-realista, em relação ao caso de injustiça a que imposto o personagem de Darney e todas as implicações a que sua família é submetida (Lucie e o seu pai, Manette e a filha do casal). Essa história retrata os efeitos de uma revolução para a sociedade, pois interfere na vida de todos, desde membros da aristocracia, como o próprio Darney, até pessoas comuns.
Na medida em que opta por não se posicionar a respeito da situação política, Dickens prefere antes, desenvolver a sua narrativa através da exploração de temas de cunho social, centrando a narrativa nas observações do impacto individual que aquele processo desencadeou em diferentes personagens desde a classe alta, ao burguês, ao camponês, ao malandro, ao vagabundo. Se observarmos seus personagens temos, de um lado, o ex-prisioneiro da Bastilha, doutor Manette; Charles Darnay, o aristocrata que rompe com a família e com sua classe social; Lucy, que esta sempre pronta a apoiar o marido, aconselhada pelo pai; o senhor Lorry, a personificação do inglês sistemático e virtuoso; a cruel e impiedosa senhora Defarge; o enigmático Sidney Carton, aquele que confere à trama um tom mais sentimental. Todos eles personalidades extremamente marcantes, na melhor tradição do romance folhetinesco, seguindo as características dickensianas para a construção dos personagens. Dickens aposta no padrão dos personagens seguindo um padrão, onde eles não mudam ao longo da história.
Em contraponto tem-se o núcleo da multidão - o povo miserável de Paris e de seus arredores, vivendo em condições de extrema pobreza (em grande parte por causa da aristocracia) e expostos como uma plateia, aos espetáculos oferecidos pelas mortes na “Guillotine”.
Em resumo, podemos dizer que, “O conto de duas cidades” é um clássico e constitui um vivo retrato das mudanças humanas imprimidas pela Revolução Francesa. O mais importante de se constatar a partir da visão de Dickens sobre a revolução é que, aparentemente, o seu lema de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” não estava sendo seguido.