Fábio Valeta 13/02/2022
“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da razão, a idade da insensatez, a época da crença, a época da incredulidade, a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada diante de nós, todos iríamos direto ao Paraiso, todos iríamos direto no sentido oposto – em suma, a época era tão parecida com o presente que algumas das autoridades mais ruidosas insistiram que ela fosse recebida para o bem ou para o mal, penas no grau superlativo de comparação.”
Já fazia tempo que tinha vontade de conhecer alguma obra de Dickens. E por alguma razão, “Um Conto...” sempre foi a história sobre a qual eu tinha maior curiosidade, mesmo sem saber nada sobre sua trama.
Nessa obra, Dickens usa como pano de fundo a Revolução Francesa, ocorrida 70 anos antes da publicação do livro, para narrar as tragédias em volta do doutor Alexandre Manette, médico francês que ficou encarcerado por vinte anos na Bastilha por um motivo que só é descoberto no clímax da história. Após libertado (ainda antes da revolução) e quase desprovido de tudo que lhe dava humanidade, o doutor encontra a filha que sequer havia conhecido e aos poucos consegue retomar sua vida. Mas sem nunca conseguir escapar da sombra de seu aprisionamento acaba trazendo consequências tanto para ele quando para pessoas ao seu redor com a eclosão da revolução.
Passado entre Londres e Paris, as tais duas cidades do título, o autor nos apresenta uma gama de personagens, que de uma forma ou de outra tem ou tiveram contato com o Dr. Manette e são afetados por sua história.
Dickens mostra toda a crueldade da situação da França. Em que a população vivia um regime de exploração e opressão provocada pela nobreza apenas para subverter a ordem e estabelecer um novo regime violento, onde eles agora são os opressores (obviamente não a população mais pobre, que continuou sendo explorada e violentada independente de quem governou o país). Sua visão sobre a revolução não é nem favorável ao antigo regime nem à recém-formada república.
Com uma escrita bastante agradável, e vários personagens memoráveis, “Um Conto de Duas Cidades” é uma história fantástica sobre como a violência pode se espalhar e fazer dos oprimidos de hoje os opressores do amanhã. É uma leitura altamente recomendável.
“Vejo Basard, e Cly, Defarge, a Vingança, o jurado, o juiz, uma longa fileira de novos opressores que ascenderam através da destruição dos antigos, mortos por este instrumento de punição [Guilhotina], antes que cesse sua presente utilidade. Vejo uma bela cidade e um povo brilhante emergir do abismo e, em suas lutas para serem livres de verdade, em seus triunfos e derrotas, nos longos anos que ainda estão por vir, vejo o mal desta época e da época passada, da qual naturalmente se originou, aos poucos expiando a si próprio e se esgotando.”