Nathan.Seriano 07/04/2024
Bem escrito, bem profundo
Por ser uma distopia, e depois da experiência com 1984, confesso que estava meio receoso com a trama, essa meta de ler todas as distopias famosas este ano, está sendo deveras interessante, enquanto eu detestei Orwell, eu amei Aldous. Com o Autor de 1984 só pude compreender o quanto a obra é avassaladora após a sua conclusão e um período intenso de reflexão.
A experiência foi completamente contraditória com Admirável Mundo novo, e analisando a obra como um todo, ela é muito bem escrita, e não apenas pelo caráter da história em si, mas pelas técnicas de escrita empregadas ao longo da narrativa, as quais os diálogos entrecortados e suturados, sem saber onde se passa ou em que momento se passa, fazem o livro fluir muito bem. As construções são feitas de formas simples e assertivas o suficiente para você, minimamente se apegar aos personagens que são apresentados, no entanto, pouco explorados nas questões emocionais, mas faz total sentido ao mundo que o autor se propôs. Se houvesse tais profundidades a história não se manteria, seria apenas uma grande hipocrisia, o que de fato não é.
A narrativa começa nos apresentando como a sociedade está vivendo atualmente, sendo modificados desde a sua gênese, sua geração, tirando os conceitos de pais e mães e atribuindo essa responsabilidade às condicionantes de cada grupo. Existem diferentes tipos de seres humanos, a sociedade é dividida em castas, como Alfas, Betas e Gamas, sendo o Y o mais inferior. Cada indivíduo vem carregado de irmãs e irmãos gêmeos idênticos, chegando até 88 seres humanos iguais. Em seguida, são condicionados ao longo de sua vida a gostarem da posição que ocupam e que ocuparão na sociedade em que estarão inseridos em determinada idade, evitando dessa forma a capacidade de pensamento.
A história flui muito a ponto de entendermos a superficialidade que a mesma emprega, cabe ressaltar que ao contrário do moralismo existente na nossa sociedade, em Admirável Mundo Novo, quanto mais parceiros sexuais você tiver, melhor. A normalidade lá, esquece os tabus existentes aqui, não apenas isso, o autor viaja na maionese em muitos momentos, os carros não existem e o meio de transporte são os helicópteros. Contudo, destaco que vimos majoritariamente os Alfas nesse livro, então não posso afirmar se com as castas inferiores seria diferente, ao fazer um paralelo com nosso mundo, eu aposto que os Y não conhecem os helicópteros.
Bernard é um dos personagens principais, é um Alfa, todavia, por um pequeno erro durante sua gênese, ele tem uma pequena diferença dos outros, ele é levemente menor, e isso interfere muito na tratativa com os demais Alfas e forma que ele se sente. Os membros de sua classe possuem cerca de 1,90m. Sua estatura é cerca de 15 centímetros menor, o que o faz se sentir não-pertencente, e evitando o soma. Mas o que é soma? Durante toda a narrativa, Soma é uma droga que é liberada à população, disponibilizada pelo próprio governo e são consideradas pílulas da felicidade. Se tem um problema, toma soma, são seis comprimidos no máximo por dia, e a partir do quarto comprimido você dorme durante um tempo (é tipo um rivotril sem efeitos colaterais, se não a felicidade). Destaco também, que a sociedade não envelhece. Ele chega até certo ponto da vida e simplesmente vão ao hospital e lá ficam, sozinhos(as) até seu desencarne, aproximadamente com 60 anos, e mais uma vez destaco que crianças são levadas ao hospital para serem condicionada a naturalidade da morte. É literalmente uma sociedade descartável.
Esse condicionamento, como eu disse anteriormente, ocorre desde a tenra idade e ocorre de diversas maneiras, mas a mais peculiar é a que acontece durante o sono. Desde meses de vida, todas e todos os bebês escutam, quando dormem, afirmações que acabam sendo repetidas durante uma fase da vida e isso acaba adentrando profundamente dentro do âmago de cada um.
Bernard acaba encontrando uma pessoa de fora dessa sociedade, uma que já pertenceu a ela, mas vive com outros povos, e um outro personagem que nunca conheceu admirável mundo novo, esse segundo personagem importante para a trama, leu muito de Shakespeare e suas falas sempre fazem referência ao autor, é lindo, porém é uma perspectiva completamente diferente daquilo que nos é mostrado até então. A história do livro, gira a partir daí, quando ambos são levados a sociedade, Bernard perde o desprezo dos Alfas pelo contrário, agora se sente pertencente a eles devido a sua posse referente aos novos humanos. Fazendo-o inclusive a tomar o soma que tanto detestava anteriormente.
Quando a narrativa encontra-se perto do fim, Bernard, um amigo seu, e o John, que é o personagem que foi “resgatado” de seu povo, encontram um Administrador (com A maiúsculo mesmo) e os grandes conflitos se instauram, é possível entender o motivo da sociedade ser assim, e como o Soma interfere cotidianamente e de forma tão orgânica que quem o consome nem percebe seus efeitos. Inibe a tristeza, a solidão, o coletivo sempre é o foco principal, nada de ler um livro, as atividades precisam e necessitam de companhia, os parceiros sexuais precisam ser trocados constantemente, dormir é algo inimaginável exceto quando se tem algo para lidar que não é comum.
Admirável mundo novo tem técnicas de escritas incríveis, a história e a distopia merecem a fama que tem, é possível fazer comparações com a nossa realidade, que simplesmente são reais demais: Harmonização facial, a tentativa de parecer sempre jovem, repetir e consumir padrões nas palmas das mãos. Aldous foi um gênio como escritor, escreveu uma obra não apenas para o seu tempo, mas também parece que estava prevendo o padrão em que a sociedade iria se instaurar. Levou cinco estrelas fácil, é rápido de ler, é bem escrito e sobretudo, atinge camadas passíveis de reflexões profundas para quem o lê.