spoiler visualizarWillouro 01/02/2024
Modernidade já passou, ou um novo pra europeu ver (E eu sei que to olhando da forma errada, mas realmente esperava mais.)
Apesar da crítica social à modernidade e ao autoritarismo, a leitura desse livro me bateu atravessado, principalmente a questão do “Selvagem”. Retratá-lo de tal forma me parece um olhar muito europeu, até como se vê a América e seus nativos como exóticos. Não consigo engolir totalmente que o autor não esteja cometendo esse pecado, mesmo consciente que isso é uma crítica minha com um viés muito contemporâneo e fora de contexto com o tempo da obra.
O autor escreve de forma muito direta, o que não é ruim e faz a história fluir. Mas por mais que o livro tenha coisas interessantes, também sinto que tem muitos pontos soltos e até fracos. Há de se destacar questões e quase previsões como o cinema sensível: é um conceito super interessante, que até influencia muitas discussões e teorias no audiovisual/cinema até hoje (Hiper realismo, 3d, a forma com que se faz som… já vivemos o cinema sensível). E pensar que soma/droga possa ter a ver com lsd e portas das percepções é um bônus.
E falando em Soma, acho um capítulo interessante onde se discute sobre religião. Me incomoda como se apresenta a crença/religiosidade através do Selvagem, de uma forma que acho até fetichista, no campo do exótico. A maneira que o personagem encara as coisas pelo auto flagelo e tudo mais, evoca essa coisa excêntrica e que deveria servir como contraste, já que em tese essa nova sociedade não tem religião. Mas me instiga que há encontros parecidos com cultos nessa sociedade, encontros de fraternidade para todos se reunirem e tomarem Soma e fazerem orgias, de maneira que só consigo descrever como ritualística. Em nenhum momento o autor aprofunda essa dinâmica dos encontros, e isso me parece solto na história. Da mesma forma, tenho a sensação que nas discussões filosóficas levantadas com o livro o autor vem com citações específicas (como Shakespeare através do Selvagem, evocar Freud etc) que mais me parecem rasas que outra Coisa. Servem para compor uma camada extra, de embasamento para enriquecimento argumentativo numa discussão sobre o livro, mas não necessariamente tem um aprofundamento na história e universo apresentado.
É interessante também uma discussão possível sobre MODERNIDADE e ROMANTISMO (e aqui Shakespeare como o Selvagem é super bem vindo). Uma discussão até metalinguística, mas que sinto que se perde no meio. Pra mim o melhor capítulo é quando aparece o Administrador Mundial discutindo sobre beleza (arte) e verdade (ciência). Essa dualidade evoca uma discussão super interessante, mas que vem apenas com algo secundário. O principal foco do livro acaba sendo a questão da felicidade só ser possível dentro de um “conforto social”.
A trajetória de Bernard é interessante: Vamos um protagonista/heroí que se via isolado e desconexo com aquela sociedade, e que vira alguém que cresce e abusa do sistema que antes rejeitava na primeira oportunidade que lhe aparece. Sobe o poder que lhe aparece através da exploração do Selvagem. O personagem infeliz de repente se pega usufruindo de seu conforto e status. E fiquei surpreso de no final ele ir para o exílio. Achei que ele seria mais resistente, até cavaria um cargo no governo após perceber que gostava sim daquele sistema social, que trabalharia para mantê-lo. Mas não é o que acontece, e com isso acho que o arco dele não condiz com sua conclusão, e acho incongruente até como Administrador Mundial se portou aqui.
Também me incomoda Lenina virar uma personagem que serve só para o interesse romântico com o decorrer do livro. Ela no começo era o contraste de o que era o mais puro retrato daquela CIVILIZAÇÃO. E nessas poderia ter um arco de se desprender e aprender a viver de outra maneira, mas no fim vira apenas o objeto de interesse do Selvagem e nada mais.
Com esses pontos, saio com um gosto amargo da leitura. A estrutura da distopia é bem interessante, e até os lampejos de discussão de modernidade e romantismo, mas eu esperava algo mais elaborado. Principalmente no final. Tenho plena consciência que minha crítica é enviesada e perde um valor, mas concluo que ao ler Admirável Mundo Novo saio só com uma crítica à sociedade, mas que talvez não tenha uma autocrítica de fato.