Fernanda631 22/11/2022
Admirável mundo novo
Em 1932, Aldous Huxley dava vida ao que seria um dos livros mais influentes da história da literatura distópica. Em seu Admirável Mundo Novo, Huxley foi capaz de tecer finamente todas suas críticas possíveis à sua época, e não só isso, foi capaz também de fazer muitas previsões em função do rumo político e do progresso da ciência, como atesta em seu outro livro, de 1959, Regresso ao Admirável Mundo Novo.
Na Sociedade imaginada por Huxley, erigida sobre o lema “Comunidade, Identidade, Estabilidade” as pessoas não são mais concebidas de forma natural, pois agora são “produzidas” em massa em laboratórios, como numa linha de produção. E a massa é muito mais importante que o indivíduo. Um tipo de sociedade homogênea, que despreza o individualismo.
Nesse tipo de sociedade os interesses dos indivíduos são produzidos em larga escala e o consumo desenfreado é estimulado. Entretanto, Huxley vai um pouco além e hipotetiza um mundo onde para que enfim a felicidade final fosse alcançada, os indivíduos tivessem que abrir mão do seu livre-arbítrio.
Este romance tem como tema uma Utopia, um estado “ideal”. É um romance sobre ideias, e seus temas são tão importantes quanto seu enredo. Os temas levantados nos fazem pensar sobre a Utopia de Huxley e o nosso mundo de hoje.
O Estado científico totalitário zela por todos. Nascidos de proveta, os seres humanos (precondicionados) têm comportamentos (preestabelecidos) e ocupam lugares (predeterminados) na sociedade: os alfa no topo da pirâmide, os ípsilons na base.
Nas três classes inferiores, as pessoas são clonadas para produzir gêmeos idênticos. Durante o período de gestação, os embriões viajam em garrafas ao longo de uma correia e são transportados através de um edifício de fábrica e são condicionados a pertencer a uma das cinco castas: Alpha, Beta, Gama, Delta ou Epsilon. Os embriões Alpha estão destinados a se tornarem líderes e pensadores do Estado Mundial. As castas Beta e Gama nascem para serem condicionadas a serem um pouco física e intelectualmente capaz. Os Deltas e os Epsilons nascem atrofiados por falta de oxigênio e de tratamentos químicos e estão destinados ao trabalho mais duro; são resistentes à poluição e fisicamente mais fortes e marginalizados.
Os conceitos de “pai” e “mãe” são meramente históricos. O amor e a monogamia estão terminantemente proibidos, pois levaria os indivíduos a experimentarem sentimentos violentos, e pessoas nesse estado facilmente cairiam em instabilidade e ameaçariam o bem-estar social. Relacionamentos emocionais intensos ou prolongados são proibidos e considerados anormais. A promiscuidade é moralmente obrigatória e a higiene, um valor supremo. Não existe paixão nem religião. Criar humanos em laboratórios, manipulando e condicionando-os desde o embrião.
Mas Bernard Marx tem uma infelicidade doentia: acalentando um desejo não natural por solidão, não vendo mais graça nos prazeres infinitos da promiscuidade compulsória, Bernard quer se libertar. Uma visita a um dos poucos remanescentes da Reserva Selvagem, onde a vida antiga, imperfeita, subsiste, pode ser um caminho para curá-lo.
O universo futurista criado por Aldous Huxley, autor do livro, consegue impressionar levando em consideração o ano de lançamento da obra, 1932. É possível compreender como a humanidade chega naquele momento “evolutivo”, há justificativas suficientes para se acreditar na possibilidade daquele novo mundo. Aldous Huxley predisse em 1932 uma raça humana que, no ano de 2540, seria destruída pela ignorância, teria um desejo constante de entretenimento, teria o domínio da tecnologia e uma superabundância de bens materiais.
A engenharia genética é um tema recente, mas Huxley usou esse termo na época em que escreveu o livro para explicar como o seu novo mundo gerava números prescritos de seres humanos artificiais para qualidades especificadas. Nesse novo mundo, embriões humanos não crescem dentro do ventre de suas mães, mas em garrafas. O condicionamento biológico ou fisiológico consiste em adicionar produtos químicos ou girar as garrafas para preparar os embriões para os níveis de força, inteligência e aptidão necessárias para determinados postos de trabalho.
Quando os bebês nascem são condicionados, física e quimicamente na garrafa, e psicologicamente tornam-se cidadãos da sociedade felizes com um gosto, uma aptidão para o trabalho que eles irão fazer quando alcançarem a idade adulta. Uma técnica de condicionamento psicológico é a hipnopédia, ou seja, ensinar as pessoas enquanto dormem – não ensinar fatos e análises, mas plantar sugestões que as levarão a se comportarem de determinadas maneiras.
Um dos princípios mais profundos nos quais se baseia a Utopia é o conceito de história. As pessoas têm um conhecimento do passado, de modo que elas não serão capazes de comparar o presente com qualquer coisa que possa mudar o presente. Outro princípio é que as pessoas não devem ter emoções.
A felicidade cega é necessária para a estabilidade. E para alcançar a felicidade, é dever abrir mão da ciência, da arte, da religião e de outras coisas que valorizamos no mundo real. Uma das coisas que garantem essa felicidade é uma droga chamada soma, que acalma o indivíduo alterando a sua sensibilidade, mas sem deixá-lo de ressaca. A droga soma é universalmente distribuída em doses convenientes para os usuários. Família, monogamia, privacidade e pensamento criativo constituem crime.
Estaríamos vivendo hoje um “Admirável Mundo Novo” antecipado? Com as redes sociais ocupando diariamente a vida das pessoas, podemos observar que o conhecimento está sendo substituído por um fenômeno novo, que são os memes, gostos, seguidores e a quantidade de curtidas que você recebe. Twitters? “O que amamos um dia nos destruirá”, disse Aldous Huxley. A raça humana, segundo o autor, será destruída pela ignorância, um desejo constante de entretenimento, o domínio da tecnologia e uma abundância de bens materiais.
“Surpreendentemente, os consumidores de notícias alternativas, que são os usuários que tentam evitar a mídia mainstream”, chamada de “manipuladora de massas”, são os mais sensíveis à injeção de falsas alegações.
Bernard, então, consegue a aprovação de seus semelhantes (não tão semelhantes assim, como já visto) e o apreço de sua tão amada Lenina, quando consegue trazer de uma espécie de Reserva Histórica, para a civilização (para fins de estudo), um “Selvagem”. Que seria alguém mantido no que hoje seriam nossas reservas indígenas, onde ainda se preservariam os velhos costumes. Costumes pré-históricos e indecorosos para a nova sociedade, pois ainda há casamento, amor e concepção natural.
É com a chegada de John, O Selvagem, à civilização de Admirável Mundo Novo, que o livro torna a despontar – depois de passar por um momento bem arrastado da narrativa. É nesse momento que os leitores mais incautos, que por ventura já haviam se habituado ao mundo, levam uma rasteira e por detrás dos olhos do Selvagem são colocados novamente entre o “novo” e o “velho”, e todas as suas discrepâncias. John, O Selvagem, passa a ser o elo (mais ainda que Bernard) que nos liga à sociedade distópica idealizada por Aldous Huxley. Uma vez que ele é o “filho de dois mundos”, passando a ser um “homem pré-histórico” vivendo num “mundo moderno”.
John é leitor de Shakespeare (desconhecido na sociedade civilizada, pois os livros são terminantemente proibidos por estimular pensamentos questionadores) e é completamente diferente de todos os personagens que já havíamos visto desde então. O Selvagem é mais humano, poético e completamente dramático. Seu discurso mescla-se com passagens e trechos da obra de Shakespeare e aos poucos vamos mais uma vez, desta vez juntos com ele, redescobrindo o Admirável Mundo Novo e questionando-o.
O livro, como ficção especulativa, como forma de predizer uma nova configuração política e cultural em torno do progresso científico, cumpre seu papel.
Por fim, acredito que o que Huxley mais quis enfatizar foi: até onde a ciência e a tecnologia, nas mãos dos governantes, podem ter a palavra final sobre a vida dos homens? O condicionamento psicológico e biológico, no ápice da sua precisão, entretanto, falha diversas vezes – como é atestado no livro. E quando falha, uma vez que esses destoantes (por seus motivos pessoais) escapam desses condicionamentos, conseguindo ver por trás de toda essa maquiagem, indo em direção contrária à do rebanho começam questionar tudo e todos.
O que nos indica que Huxley, pelo menos àquela altura, acreditava que por trás de tudo aquilo (e tudo isso) existia (e existe), à parte, uma natureza humana. Talvez até indomável.