Se Dolores Haze tivesse fugido das páginas do romance escrito pelo russo Vladimir Nabokov, seria hoje talvez uma pacata senhora de 63 anos. Mas como Lolita – a ninfeta lançada por ele em 1954 e personificada no filme dirigido por Stanley Kubrick em 1962 –, a menina de 12 anos que seduz o padrasto pedófilo e se torna conquista de um obsessivo produtor de filmes B, continua sendo motivo de escândalo. Prova disso está na recente refilmagem do clássico dirigido por Adrian Lyne, cuja exibição foi proibida nos EUA. As contradições e semelhanças entre o romance e a primeira versão cinematográfica, no entanto, não fogem da análise do jornalista Richard Corliss. Conhecedor da obra de Nabokov e crítico de cinema, Corliss abre seu comentário – que não poderia ter outro título que não Lolita – com uma poesia na qual ilustra as trajetórias do escritor e do diretor de cinema. Vai configurando, verso a verso, as vidas dos envolvidos com a menina, tanto na ficção quanto na realidade. Após a ninfeta, certamente ninguém mais foi o mesmo. Corliss rastreia toda a produção do filme, desde os contatos entre Kubrick e seu parceiro, o produtor James B. Harris, com Nabokov, até cenas e diálogos do filme que refletem o espírito de lascívia e amor não-correspondido que permeia a película. Como um voyeur semelhante a Humbert Humbert – o quase homem de meia-idade louco por garotinhas que se casa com a mãe de Lolita para ficar próximo dela –, vislumbra os detalhes e as interpretações dos atores que deram vida aos desajustados do romance.O autor destaca a ambigüidade que Lolita causou nas vidas de Nabokov e Kubrick. Enquanto o russo credita para a história da ninfeta o título de “sua melhor obra em inglês”, para o cineasta a filmagem do romance representou um fracasso evidente, devido às pressões da censura e à dificuldade em relação à narrativa de Lolita. “Se tivesse sido escrito por um autor menor, poderia ter sido um filme melhor”, avaliou Kubrick em 1987.Corliss vai além do tímido sucesso do filme na época de seu lançamento e reconhece em Lolita um marco na linguagem que o cineasta transformaria em sua assinatura, claramente visível em outros filmes posteriores de Kubrick, como Laranja mecânica, da década de 70, e Nascido para matar, nos anos 80. Assim como vê no romance marcas inconfundíveis do russo apaixonado por borboletas e dramas humanos que foi Nabokov. O que o autor quer deixar claro é que, cada um a seu modo, tanto Nabokov quanto Kubrick ilustraram há muitos anos personagens que, se provocaram escândalo há algumas décadas, hoje são comuns – pedófilos, desequilibrados, violentos, apaixonados. Acima de tudo, são seres humanos, psicologicamente desajustados, próximos ou não, mas vivos e livres. Como qualquer um de nós.