Rodrigo de Souza Leão não tem medo de enfrentar (com urgência e coragem) seus demônios. Pelo contrário, os transforma em aliados. Morto prematuramente em julho de 2009, aos 43 anos, em uma clínica psiquiátrica, o escritor, jornalista, músico e pintor carioca conviveu com a esquizofrenia por mais de 20 anos. O que não o impediu — muito pelo contrário — de produzir intensamente, principalmente no mundo virtual, onde publicou uma série de e-books e blogs. As raras lucidez e consciência sobre sua própria condição são evidenciadas em O esquizoide: Coração na boca, texto inédito de Rodrigo organizado pelo poeta e jornalista Ramon Mello, curador de sua obra. A começar pelo título — um rótulo que o autor faz questão de grudar e desgrudar na própria face. Escrito em 2003, o romance chega agora às livrarias, atendendo a um pedido do próprio autor à amiga e poeta Silvana Guimarães (que assina a apresentação do livro), de que fosse publicado somente após sua morte.
Como é característico em toda sua obra — assim como em Me roubaram uns dias contados, último romance do autor, publicado no ano passado pela Record — O esquizoide é, ao mesmo tempo, absolutamente ficcional, mas com altas doses autobiográficas. Um misto de diário, romance, novela, depoimento, fábula, que amontoa delírio e lucidez, melancolia e resistência, solidão. Rodrigo revela sua condição para, em seguida, negá-la. O autor compreendeu que, ao apropriar-se dos estigmas que rondam sua existência, pode lidar com seus limites e, ainda, com o preconceito dos ignorantes. Marcado por suas internações, o texto dialoga diretamente com Todos os cachorros são azuis, romance de estréia do autor que foi finalista do prêmio Portugal Telecom em 2009 e ganha agora uma adaptação para o teatro, idealizada por Ramon Mello (que também atua no espetáculo) e dirigida por Michel Bercovitch. Com propriedade de quem conheceu os meandros da clausura em seus dias contados, Rodrigo mostra neste livro que é reducionista aprisioná-lo numa palavra. O poeta, que canta sua prisão para falar de liberdade, alerta que é melhor o conhecer “pelas atitudes do que pelo cantar esquizofrênico”.
Numa narrativa surpreendentemente simples e leve, apesar de todo o peso que carrega, Rodrigo faz um relato consciente — e até político — de sua condição de esquizofrênico e de seu papel de escritor. Ele usa a palavra como arma para encarar a própria dor e, por conseqüência, diminuir o sofrimento de seus pares, com uma generosidade que o motivava a se expor por inteiro e desarmado, e lutar pela humanização do tratamento psiquiátrico.