caio.lobo. 18/12/2022
Asqueroso, terrível, sangrento, grotesco e maravilhoso.
Vaidade de vaidades, é isso Salomé. Obra terrivelmente maravilhosa que consegue expressar beleza em meio aos escombros morais. Oscar Wilde fez essa peça na ponta dum bico de pena pelo esmero que criou uma Salomé sangramente apaixonada, um Herodes estúpido e fraco, uma Herodias vulgarmente protistuída e um João Batista Santo. Já conhecia a obra através da ópera de Richard Strauss, e recomendo muito que ouçam/assistam esta ópera para sentir a intensidade música com o texto angustiante.
A futilidade de Herodes e família é revelada pelo seu tesouro, desde pedras preciosas diversas e até algumas que mudam de cor ao toque até pavões brancos com bicos dourados alimentados com comida e pó de ouro. O capricho de Wilde ao descrever estes elementos fascinam e ao mesmo tempo mostra inutilidade e vulgaridade dum governante vaidoso, excentricidades que lembram muito daqueles super-ricos, bilionários chineses ou os ricaços de Dubai.
Se um psicólogo ler essa obra notará que é a família de Herodes é cheia de neurosos, psicoses e até psicopatas. Salomé certamente é a mais louca, se apaixonando por João Batista e ao mesmo tempo sentindo repulsa; admira e sente desejo por seu corpo ao mesmo tempo que sente nojo, quer tocar seus belos cabelos repulsivos. Seu desejo intenso a deixa sedenta de prazer para beijar a deliciosa boca do Santo que ao mesmo tempo lhe inspira horror. Mas mais repulsiva, nojenta e asquerosa é Salomé, e João Batista a despreza e a amaldiçoa. Salomé fica a noite toda pensando no Santo homem, a ponto de ignorar a festa que Herodes, seu padrasto e seu tio, oferece. O próprio tio deseja o corpo de Salomé, e Herodias o repreende, não por algum senso de moral, que ela não tem nenhum, nem por se importar com a segurança de sua filha, mas por ciúmes. Aqui há um ponto digno de nota: Salomé age infantilmente, como uma criança emburrada.
O desejo grotesco de Herodes é incontrolável, e pede que Salomé dance, lhe prometendo que dará o que pedir. Ela se anima e faz sua famosa dos sete véus, provavelmente fica nua, deixando o seu tio-padrasto em êxtase de prazer. Então ela pode pedir o que quiser, e pede justamente a cabeça de João Batista, aquele que ela ama e despreza. Aqui vemos a fraqueza e até bom senso advindo do medo, pois ele respeita muito João Batista, apenas o mantendo preso a mando da esposa, pois João condena publicamente a fornicação de Herodias, que se satisfaz com todo tipo de homem.
Mas Salomé consegue o que quer para satisfazer sua luxúria: a cabeça do Santo homem. Ela contempla a cabeça do homem que ama, declamando seu estranho e horripilante amor àquela cabeça ensangüentada, e a beija. Sente um gosto amargo, será gosto do sangue ou do pecado?
Destaque também para as ilustrações de Aubrey Beardsley, que mostram o diabólico da vaidade através do grotesco. As figuras andróginas dão caráter moderno às figuras.