É 1968, e a chegada a Salvador do prêmio Nobel James Levenson provoca alvoroço na imprensa local. O professor americano vem em busca de quatro livros que documentam a formação do povo baiano, de autoria de um certo Pedro Archanjo. Voltamos então ao começo do século XX, época em que se passaram as proezas do pobre, pardo, boêmio e mulherengo Archanjo.
Na juventude, Archanjo conheceu Lídio Corró, um “riscador de milagres”, que virou parceiro na luta contra o preconceito racial e religioso. A Tenda dos Milagres, no Pelourinho, lugar onde os amigos trabalhavam, era também palco de candomblé e capoeira de Angola. E os folhetos de literatura popular e os livros de Archanjo impressos na tipografia da Tenda transformaram-na em uma espécie de universidade livre da cultura popular.
Bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, Archanjo inspirou-se no convívio com os catedráticos da instituição e passou a estudar a história do povo baiano. Mas suas teorias, que valorizavam a miscigenação, despertam o ódio do professor Nilo Argolo, para quem os mestiços eram “degenerados”.
Em Tenda dos Milagres, Jorge Amado opõe as idéias de Archanjo às de Argolo para enaltecer a mestiçagem, a tradição popular e a cultura negra. O romance critica a postura colonizada de aceitação de teorias racistas originárias da Europa no início do século XX e ironiza a valorização tardia da obra do intelectual negro, reconhecida à revelia da elite local graças à iniciativa de um estrangeiro.
A narrativa entrelaça com extrema habilidade os registros erudito e popular. As críticas à repressão contra o candomblé e outras manifestações da cultura negra ganham relevo em dois momentos históricos: o começo do século XX, quando da atuação de Pedro Archanjo, e a época em que o livro foi publicado, em plena ditadura militar.
Literatura Brasileira