Renan Penny 16/08/2016O jogo do Anjo: Metáforas literárias e o amorA literatura está tomada de metáforas sobre o ato da escrita. Escritores dos mais diversos, artífices experimentados no uso das palavras, prestaram a elas homenagens e salamaleques em profusão.
Carlos Ruiz Zafón deu seu importante contributo numa série de, até então 3 livros, que tem como pano de fundo o “Cemitério dos Livros Esquecidos”, onde leitores especiais encontram livros que foram esquecidos, e que precisam de um novo leitor para reviverem artisticamente.
O mais incensado destes livros é o excelente À Sombra do Vento. O último é o Prisioneiro do Céu.
Mas o meu preferido é mesmo, sem dúvida, o do meio: O Jogo do Anjo.
Li duas vezes cada um destes livros nos últimos três anos. Gosto de reler livros. Sou um daqueles que crê que o entendimento de uma obra vem efetivamente a partir da releitura, contudo, não costumo reler num intervalo de tempo tão curto.
A trilogia de Zafón me marcou de tal forma que considerei valer a pena romper com um velho hábito.
O autor rompe com a velha máxima de que os segundos livros/filmes são sempre os piores de uma trilogia. Em “O Jogo do Anjo”, Carlos Ruiz Zafón produziu uma obra que, embora na mesma ambientação e apresentando ligação entre personagens, pode ser lida independentemente da leitura do primeiro livro, À Sombra do Vento.
David Martin é um escritor decadente, que viu sua promissora carreira ruir antes mesmo de decolar. Desolado na vida profissional e sofrendo uma desilusão amorosa, Martin chega ao fundo do poço quando até mesmo a saúde física o abandona.
Neste ponto aparece Andreas Corelli, um misterioso editor estrangeiro que oferece a Martin o que este sempre esperou: muito dinheiro para escrever um livro e, como que por milagre, o restabelecimento de sua saúde.
Com o trabalho pago, Martin tem agora que fazer sua parte. Escrever um livro.
Livro que Corelli quer que seja, nada mais nada menos, que os fundamentos e a doutrina de uma nova religião.
Só então David Martin entenderá a dimensão do pacto que realizou e entenderá que sua vida e a das pessoas ao seu redor nunca mais será a mesma.
O brilhantismo de Zafón se evidencia na obra a todo momento. Sua Barcelona parece palpável e é possível sentir a todo momento sua imponência austera como moldura. Os anos 20 da Europa nos atingem “como o hálito de uma maldição”.
David Martin como espelho de escritores desconhecidos ou subvalorizados funciona como uma ode a arte enquanto necessidade. O velho “não escrevo porque posso, escrevo porque preciso” calça como um sapato feito sob medida no herói da história.
Afinal, A literatura está tomada de metáforas sobre o ato da escrita. Escritores dos mais diversos, artífices experimentados no uso das palavras, prestaram a elas homenagens e salamaleques em profusão…
Carlos Ruiz Zafón oferece o seu contributo.
E o final, por motivos óbvios, não posso relatar. Mas, depois de algumas centenas de livros de ficção acumulados no correr dos anos, reputo como um dos mais eloquentes, surpreendentes e vigorosos da literatura contemporânea.
O final de “O Jogo do Anjo” permanece me assombrando. Não como peça de terror, mas pelo que define sobre o amor.
Possui, portanto, a maior qualidade que um livro pode ter:
Ser impossível de ser esquecido.
site:
http://www.voltemosadireita.com.br/o-jogo-do-anjo/