Karol 27/09/2011
Tropa de Elite
Vou dedicar essa resenha à minha amiga Eliza Bachiega, a maior entusiasta de Direitos Humanos que tive a oportunidade de conhecer.
Poucos livros que li na vida me revoltaram tanto quanto Rota 66, do Caco Barcellos.
Esse foi o segundo livro que relacionei para o Desafio Literário esse mês e conseguir ler e resenhar esse livro foi uma bela evolução para mim: apenas em janeiro eu consegui postar mais de uma resenha para o DL e estava me sentindo meio falha nas minhas “obrigações”. Mas o tema desse mês me conquistou e eu escolhi livros muito bons (\o/) então, deu pra curtir e ler mais rápido os livros propostos.
Feita a introdução, vamos ao livro.
ROTA 66, A História da Polícia que Mata é o segundo livro do Caco Barcellos. Todo mundo aqui conhece o Caco Barcellos, né? Repórter da Rede Globo que, atualmente, treina os “estagiários” do Profissão Repórter. O livro retrata, de uma forma meio romanceada, uma série de assassinatos inexplicáveis cometidos pela ROTA – Rondas Ostensivas de Tobias Aguiar, o BOPE aqui de SP – em um período de mais ou menos 20 anos, com um destaque especial para o caso ROTA 66, em que três jovens inocentes de classe média foram assassinados por policiais da ROTA sem terem ao menos tempo para explicar o mal entendido.
O livro se estende contando vários casos semelhantes: jovem perigoso é perseguido pela ROTA e morto durante um tiroteio após atacar policiais e resistir à prisão. Esse é o texto base de 90% dos boletins de ocorrência analisados por Caco e sua equipe. O que ele nos conta é o que acontece por trás dessa versão simplória do relato oficial: que, na maioria das vezes, as pessoas mortas sequer são criminosos efetivamente perigosos, em muitas vezes são inocentes, raramente armados, alguns “ladrões de galinhas” e a minoria é peixe grande. Até porque, seria difícil um assassino perigoso ficar dando trela na rua quando a ROTA está passando, o cara teria que ser muito obtuso...
Lá em cima, no início da resenha, eu disse que o livro me revoltou e revoltou muito. Não por ser ruim ou mal escrito, pelo contrário, o livro é fácil de ser lido e muito interessante, mas a raiva que eu senti ao prosseguir com a leitura era daquelas de ter que fechar o livro e respirar fundo antes de continuar a leitura. ROTA 66 narra uma verdadeira carnificina, assassinatos incontáveis, responsáveis impunes, pessoas inocentes mortas sem explicação, corpos desaparecidos, famílias despedaçadas e uma enorme negligência do poder público para com essa situação.
A maioria das vítimas dos policias citados nos livros segue um padrão: negro ou pardo, entre 18 e 25 anos, pobre. Pessoas que a justiça não se apressa em defender, casos que ficam sem investigação por anos a fio e muitas vezes os assassinos não recebem nenhuma sanção. É simplesmente revoltante, a desvalorização total da vida, a negligência em relação à lei e aos deveres do estado e um abuso de poder sem limites. Os policiais citados no livro – sim, Caco Barcellos dá nome aos bois – são tratados pela corporação como heróis sem haver sequer uma investigação para apurar quais as circunstâncias da maioria das mortes ocorridas. Matar o indivíduo deve ser sempre a última opção, mas nos casos descritos no livro, o assassinato foi a mais fácil e, por isso, a mais usada.
Não quero entrar na velha discussão da pena de morte, muita gente é a favor e muita gente contra. Mas, ao ler ROTA 66, comecei a refletir sobre as conseqüências desse tipo de pena em um país como o nosso, onde a segurança pública é ineficiente, a justiça e a polícia corruptas e incapazes. Claro, podemos falar que os corruptos e assassinos são a minoria mas, convenhamos, eles não deveriam nem existir. Como você confia que a polícia vai te proteger se eles atiram antes e perguntam depois? A Lei serve pra que mesmo? Para proteger o errado? Para encobrir os erros de um trabalho mal-feito?
Enfim, recomendo a leitura de ROTA 66 para todos que tiverem estômago e curiosidade para saber o que realmente se passa na polícia de São Paulo – a do resto do país não deve ser muito diferente. Algumas pessoas vieram me falar que não dá pra levar tudo o que o Caco Barcellos escreveu naquele livro à sério, pois eu rebato da seguinte forma: se 10% do que ele denuncia for verdade, já temos motivos suficientes para passarmos uma vida toda preocupados.