spoiler visualizarNivia.Oliveira 18/04/2020
Correlações com arte, cultura e outros livros
Ao ler as descrições dos trabalhadores da mina (“Tenho tanto carvão no meu corpo... e já faz cinco anos que não ponho os pés lá embaixo.”) me lembro das fotos do Sebastião Salgado em Serra Pelada no Pará. Esse renomado fotógrafo brasileiro é especialista em fotografar pessoas, especialmente em condições de trabalho duras. As imagens são impressionantes e emocionantes.
A descrição da pobreza da casa de Catherine me lembrou o quadro de Van Gogh: Os comedores de Batatas (1885), da Primeira fase do artista quando retratava produtores rurais. A cor escura, contrastando com os quadros famosos dele representam a dureza da vida daquelas pessoas.
No capítulo IV há uma referência cultural interessante: O Homem Negro que “volta a mina para torcer o pescoço das moças” de quem Catherine tem medo. Este tipo de mito era recurso utilizado pelos controladores das minas para ameaçar os trabalhadores. Na Bolívia, nas minas de Potosí, ainda hoje existe o “Tios” que virou uma espécie de Deus para protegê-los, mas a origem era um monstro.
No conjunto habitacional os pobres dividem o pouco que têm. É como a vida nas comunidades. Todos têm pouco, mas normalmente são altruístas dividem o que têm, ajudam-se mutualmente, defendem-se no que podem e se divertem com pouca coisa.
No livro “Enterrados” de Miguel Vitagliano, cujo ambiente é a Guerra do Paraguai, cita que Lucio Mansilla, um dos generais que dentre outras coisas vivia em busca de ouro (inclusive no Brasil) tinha medo de Émile Zola. Esse autor realmente fazia muito ruído na França e certamente colocava muita semente nas cabeças dos operários mundo afora...
Catherine tem medo das galés... por onde passou nosso Jean Valjean de Os Miseráveis. Essas embarcações do século XVI eram movidas por pelo menos 250 homens condenados, pois assim não precisavam pagar pelo serviço. Qual escolha? Nas minas o trabalho também é pesado, mutila crianças e idosos, o salário é reduzido devido à queda da produção.
Etienne fica irritado com a condição de máquina e já estrutura uma grande greve. Já não aguentam mais “o equilíbrio das barrigas vazias, a condenação perpétua à escravidão da fome”. Etienne lê muito e articula bastante: o líder não é quem está no comando, mas quem consegue influenciar os outros...
Acredito que Etienne gostaria de aplicar o lema da revolução francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade", mas também sinto uma tendência a burlar o sistema já que ele demonstra o gostinho do poder “O clamor era cada vez mais intenso. Etienne saboreava a embriaguez de sua popularidade.”
Sobre a luta dos mineiros faço uma correlação com Paul Cézanne o artista inovador que “pintava com os dois olhos”. Ele e Émile Zola eram amigos de infância. Quando crianças Zola pintava e Cezanne escrevia poesias. Cézanne desistiu da sua carreira de artista várias vezes e foi Zola que o inspirou fazendo-o encontrar o espírito de LUTA dentro dele mesmo.
Também consegui fazer uma analogia do pequeno Jeanlin com o pequeno Gravoche de Os Miseráveis. Ambos tiveram que trabalhar para ajudar a matar a fome da família miserável, eram espertos o suficiente para se virarem (ainda que com atitudes ilegais), tiveram que matar em nome das circunstâncias da guerra e a desgraça deles causara culpa naqueles que induziram o movimento.
Não tenho dúvidas de que após 23 anos de lançamento de Les Miserables, Zola fora inspirado por Victor Hugo, que por sua vez se iluminou (30 anos depois) com o quadro célebre “Liberdade Guiando o Povo” de Eugène Delacroix em sua figura de um menino com boina e arma a direita.
O final é coerente: Etienne parte de Voreux certo de que deixou uma semente germinando lentamente...