A senhoria

A senhoria Fiódor Dostoiévski




Resenhas - A Senhoria


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Fabio 25/04/2024

"A paixão e o estado alienante da obsessão"
"Sou mestre na arte de falar em silêncio. Toda a minha vida falei calando-me e vivi em mim mesmo tragédias inteiras sem pronunciar uma palavra."

"A Senhoria", pequena novela escrita pelo gênio da literatura mundial, Fiódor Dostoiévski, publicada pela primeira vez em 1847 na revista russa, "Anais Pátrios", foi mal recebida pela crítica de sua época, e atualmente é apontada como uma obra prematura, rasa e obscura. Constitui na primeira tentativa de caracterização do tema, que o autor iria se dedicar praticamente durante toda a sua carreira. O sentido da vida e a existência do ser.

Frequentemente criticada pela brevidade e a inópia no desenvolvimento de alguns aspectos, a novela "A Senhoria", não foi compreendida em todas as suas nuances pelos contemporâneos do autor, pois ele estava bem à frente de seu tempo, e indica, que a dificuldade criada a sua compreensão, faz parte da própria construção narrativa, e complexidade temática, visto que, na tentativa de retratar de forma autentica, o afastamento da corrente realista e dos seus alicerces, se depara com uma nova perspectiva e depreende a impossibilidade de apresentar a universalidade da existência e a essência da vida num só quadro, como diligenciou com afinco, mas, naquela época, não logrou êxito esperado, resultando em imbróglios entre o autor e os críticos literários da época.

Narrado em terceira pessoa, sob a perceptiva singular, somos apresentados a Vasily Ordínov, um intelectual introspectivo, acomodado e sem profissão, que vive parcamente, por meio de subvenção. Vê-se obrigado a procurar com afinco um novo alojamento, que caiba no pecúlio oriundo de uma inesperada herança. No decurso, defronta-se com uma mulher de beleza angelical, no qual foi arrebatado veementemente por uma paixão avassaladora e instantânea. Destarte ao conhecer pessoalmente a atribulada Katierina, o protagonista abstrai-se em um mundo onírico e alienante, e passa viver em um devaneio febril, permeando entre a realidade e alucinação.

Ordínov após uma incessante procura pelas ruas de São Petersburgo, encontra um quarto para alugar, e ao descobrir que o cômodo preterido, pertence a Múrin, o velho aparentado de Katierina, entrega-se ao seu destino, pactua o contrato e resolve mudar-se no mesmo instante. Ao alocar-se no cômodo, naquela mesma tarde, em um breve relance, sob o fulgor do crepúsculo, vislumbra a silhueta de sua beldade, então, em um estado de angustia, cai doente em um torpor mórbido e torturante.

Ambientando na cidade de São Petersburgo, marcada pela pobreza e pelo desespero de seus habitantes, Dostoiévski no conduz pelas sinuosas e gélidas ruas acinzentas de uma cidade em estado de decadência, prostrada diante de suas limitações, onde predomina frieza e austeridade de uma população vilipendiada e oprimida. E esse ambiente predominantemente melancólico, imprime ainda mais anóxia a ambientação.

Dostoievski, nos convida a uma jornada moral, psicológica e filosófica, e ao nos lançar para dentro de seu mundo complexo e fragmentado, ergue a fasquia que nos interliga a sua mente e nos deixa a mercê, das sensações ignóbeis e os delírios tórridos dos personagens, e ao embutir esse fluxo continuo de insensatez no próprio texto, nos lança em um mundo de sonhos, delírios e confusão, onde tudo deve ser questionado e não há mais distinção do que é real ou ilusão.

Combinando dramaticidade exacerbada e intricados embates psicológicos, a novela "A Senhoria", trata conjuntamente ao tema principal, a subjugação do ser humano por outro e a desumanização da pessoa oprimida mediante a seu algoz, e ratifica que toda a obra está voltada a desvendar o tipo de relação social oculta pelo processo de alienação, ressaltando os efeitos dos traumas e o asselvajamento mediante o extremo isolamento mental.

Dostoievski, nos entrega uma obra intensa, pesada, repleta de paradoxos, onde os intentos do autor são inacessíveis como em nenhuma outra obra, e àqueles que não estão acostumados com a escrita e/ou a filosofia Dostoiévskiana atravessam tais passagens a duras penas, não poucos, abandonam, pois sente-se abandonados à própria sorte, em um vórtice de complexidades.

Trata-se de uma obra extremamente intimista tecida por um Dostoiéviski, jovem e pueril, que na tentativa de evadir-se das ideias obsoletas, empreende-se por um caminho extremamente árduo, ao tentar destrinchar a essência do ser e as significações da existência, e transforma-las em um entrecho literário verossímil e inteligível. O imberbe Dostoiéviski, mesmo com um texto prematuro, repleto de imperfeições e digressões, promove a necessidade de reestruturação de uma escola de pensamento, e a inovação dos conceitos literários, ora ultrapassados, buscando obstinadamente por ideias mais vivas e luminosas e, Ordínov é o signo dessas mudanças, ao ser elencado como ascendente direto do "Anti-Héroi" de "Memórias do Subsolo".

Em suma, "A Senhoria" é uma novela sombria e provocativa, que exige paciência, perseverança e entusiasmo, pois nos faz viajar por um mundo onírico e pessimista, onde tudo é pandemônio dentro de uma história atroz, que nos suplica atenção e investigação o tempo inteiro. Não bastasse as complexidades, Dostoiéviski, ainda cria uma atmosfera de suspense e tensão crescentes, que conduz o leitor ao limite da sensatez, mas ao final é que percebemos os efeitos que a obra incuti em nós, e ficamos com aquela desagradável sensação de que, faltou algo, ou algo fora tirado de nos.
Duda.bae 25/04/2024minha estante
Mais um do Dostoiévski né, parece interessante, Fabio ?
Bela resenha, como sempre arrasa na escrita! ???


CPF1964 25/04/2024minha estante
Resenha Impecável as usual, Fabio. ????


Léo 25/04/2024minha estante
Excelente resenha, Fabio! ?


Regis2020 25/04/2024minha estante
Mas uma resenha perfeita de um livro do grande Dostoievski, parabéns por sempre conseguir transmitir de forma clara suas impressões sobre obras tão maravilhosas, Fábio! ????


stephany :) 25/04/2024minha estante
Que resenha extraordinária Fábio, ainda estou começando com Dostoiévski, mas esse é com certeza um que irei ler!


Fabio 25/04/2024minha estante
Dudinha, minha querida, muito obrigado pelo carinho!?????????
Obrigado também por estar sempre presente!??
Dudinha, esse é mais denso, do que os demais livros do autor, mas vale apena para poder enxergar a escrita mais primitiva dele!


Fabio 25/04/2024minha estante
Cassius, meu amigo, muito obrigado!?
Obrigado pela presença de sempre meu querido!


Fabio 25/04/2024minha estante
Léo, muito obrigado!
Valeu poe tirar um tempo para ler este textão!


Fabio 25/04/2024minha estante
Regis, minha querida resenhista favorita, muito obrigado!?
Suas palavras sempre carinhosas me deixam lisonjeado!
Obrigado por estar sempre por aqui!???


Fabio 25/04/2024minha estante
Stephany, minha querida, muito obrigado pelas palavras carinhosas!?
Fico feliz que a resenha tenha te incentivado a ler esse obra difícil, mas importante


Dani.Odete 26/04/2024minha estante
Antes da sua resenha, já coloquei no meu quero ler...porque nosso gosto literário é muito parecido.


xzsatur.no 26/04/2024minha estante
Mais um do Dostoiévski para eu colocar na ?lista de espera?. Excelente resenha!


Marcelly.Foureaux 26/04/2024minha estante
Excelente resenha, Fabio! ????


Fabio 26/04/2024minha estante
Dani, temos mesmo um gosto muito parecido. Já tinha percebido??


Fabio 26/04/2024minha estante
Kakau, fico feliz que tenha gostado da resenha, e que ela tenha te incentivado a encarar este livro!!!
Muito obrigado querida!


Fabio 26/04/2024minha estante
Marcelly, minha querida, muito obrigado pelo caminho e presença de sempre!????
Gratidão pelas suas palavras!!!


Mariana 26/04/2024minha estante
Meu amigo????????, que resenha EXTRAORDINÁRIA! Você adentra a história de uma forma tão rara e majestosa que é assombroso de lindo! A sensibilidade de captar nas entrelinhas e destrinchar de modo claro os pensamentos do autor. Você é certeiro, conciso e atrai a atenção do começo ao fim. Meu autor ?? Parabéns por essa expressão tão artística e bela! ??????


Núbia Cortinhas 26/04/2024minha estante
Mais uma resenha digna de aplausos e adorei o quote. ???????


Jordana Borges 28/04/2024minha estante
Que resenha incrível, Dostoiévski é maravilhoso! Quero ler toda a obra dele ainda?
Parabéns pela resenha Fábio, impecável como sempre! ??


Fabio 28/04/2024minha estante
Mari, minha querida amiga do coração!
Muito obrigado por estas tão belas palavras!
Agradeço a você pela amizade, pela sempre presença, e por todo um incentivo do mundo!???
Grato por estas palavras tão lindas!
Obrigado!!!???


Fabio 28/04/2024minha estante
Nubia, minha querida amiga, muito obrigado por essas palavras!?
Lisonjeado!!!?


Fabio 28/04/2024minha estante
Jô, muito obrigado minha querida!?
Fico felizes que tenha gostado da resenha, e principalmente, por saber que quer ler toda a obra dele!!!!?
Concordo contigo, Dostoievski é O Cara!!!???


Mariana 29/04/2024minha estante
Sempre incentivarei você meu caro! Precisamos de suas obras e desse pensamento incrível!!!! Palavras não fazem jus a você!! ???


Fabio 29/04/2024minha estante
Ahhh Mari ?
Obrigado pelas palavras minha querida!!!??????????




AndrAa58 02/02/2024

Um velho astuto, um jovem sonhador e uma mulher enigmática
"A Senhoria" é uma novela que, para mim, difere bastante de todos os outros trabalhos de Dostoiévski. Pareceu-me sua primeira tentativa, um esboço, de um tipo de personagem e de um tema que ele dedicaria praticamente toda a sua carreira pós-Sibéria. Em "O Duplo", Dostoiévski fugiu das expectativas dos críticos e teve seu primeiro embate com Bielínski, o crítico literário mais importante da época. Bielínski buscava que a literatura tivesse um significado social, uma abordagem realista e socialmente didática. Dostoiévski criticava o realismo defendido por Bielínski, centrado na descrição de questões morais, sociais e políticas, considerando-o panfletário e negligenciando a importância da verossimilhança, aspecto fundamental para Dostoiévski e foco de sua obra pós-Sibéria, que explorava camadas psíquicas, ideológicas e sentimentais.

Com o fracasso de crítica e público de "O Duplo", o jovem Dostoiévski decidiu resgatar o romantismo russo, apresentado nessa novela, "A Senhoria", a figura do "sonhador romântico". Tenho que confessar que não funcionou muito para mim; pode ser que tenha lido em um mau momento. Nessa história, que combina um drama sentimentalista com uma pitada de misticismo e sobrenatural, passei a maior parte do livro me perguntando o que era ou não real. Vassíli, personagem central da trama, navega entre a realidade trivial, o devaneio e a paixão alucinada por Katierina, uma jovem que vive um relacionamento enigmático com um velho. Consegui ver um pouco de Vassíli Ordínov no homem do subsolo, sua inadequação social, solidão autoimposta, sentimento de superioridade, incapacidade de reconhecer e lidar com seus sentimentos. Enfim, somos apresentados a um sonhador romântico que, saindo de sua condição isolada para o mundo real, se vê mergulhado em um mundo de sonho ainda mais profundo.

Muito obrigada, Vanessa e Michela. Se não fossem vocês, teria seguido Ordínov no devaneio e me perdido entre sonho e realidade.
Craotchky 02/02/2024minha estante
Aiai, chega a ser cansativa essa pretensão de que a literatura (ou qualquer arte) precise ter algum impacto na dimensão social, moral o qualquer que seja. O que ela precisa é ser livre.


AndrAa58 02/02/2024minha estante
Amém, Filipe. Estamos juntos nessa ?


Fabio 02/02/2024minha estante
Mais uma ótima resenha, muito bem escrita e sinterizada, Andréa!!! ??
Parabéns pelos pontos levantados da obra, e abro aspas aqui no comentário para dizer, que concordo plenamente com o Filipe, pois, é irracional sobretudo, inverossímil, impor, que toda manifestação literária ou artística, tenha que impactar e alguma forma o indivíduo ou na sociedade,, e que, a palavra, livre, descreve perfeitamente a significação do que deveria ser a arte. Parabéns aos dois, pela discussão! ????


Craotchky 02/02/2024minha estante
É isso, Fábio. Seria imputar à arte uma responsabilidade que, pela natureza dela, ela não pode assumir como compromisso, embora possa atender quando quiser, pois também é livre para isso. Só não deve ser por imposição.


AndrAa58 02/02/2024minha estante
Muito obrigada, Fábio. É uma honra ter a sua participação por aqui. Esse é um tópico muito presente para mim. Concordo com você e com o Filipe. A arte deve ser livre, sempre. Entretanto, a cada ano encontro mais e mais originais panfletários, restrições, censura e readaptações de obras, boicote de autores... Sinto que muitos novos autores estão esquecendo da complexidade humana e deixando de lado uma parte essencial de si mesmos para serem percebidos como "boas pessoas", e com isso, os originais estão vindo cada vez mais impessoais, frios e sem personalidade. Desculpem o desabafo. Janeiro foi um mês complicado para mim com alguns textos...


Fabio 02/02/2024minha estante
Concordo Filipe!???
Muito bem explanado. Eu vou até mais fundo dentro do seu pensamento, pois a oposição deve existir, sempre, em qualquer meio, porém, não como a vemos, corrompida, que impõe aquela sensação de estar aprisionado a uma ideia, e somente ela,. Podemos observar isso, ultimamente, em todos os meios, inclusive na arte. Sinto, que, essa imposição , vem a amputar os efeitos da livre expressão de ideias, pois o natural deve ser sempre, o "livre" pensar e o " livre" questionar, jamais, a imposição, deturpada como causa natural, de um pensamento.
"Só seremos livres, se livremente pensarmos"
Grato por participar de tão elevada discrição!!!?


Fabio 02/02/2024minha estante
Andréa, eu que estou honrado por estar em um debate tão saudável, que agrega as experiências literárias!.
Recentemente, um livro publicado pela editora "Record", me incomodou demais, ao mutilar o texto durante a edição,com o único propósito do panfletar. Então te entendo, e percebo que nosso pensamento são unissonos!


Fernanda.Caputo 30/03/2024minha estante
Eu passei metade do livro achando que Katierina era um fantasma, uma alucinação da cabeça do Ordinov. Bem nessa ideia de não saber o que é sonho e realidade.




Cinara... 08/03/2022

"Minha pombinha"
"Nesse mesmo dia Ordínov caiu doente e só depois de três meses pode se levantar da cama. "

Se fala tanto hoje em dia de como as relações são superficiais, e como as pessoas se relacionam e se apaixonam de uma forma tão fácil e vazia, e não entendo por quê não falam das relações vazias de antigamente.
Em vários exemplos de amores em meados dos 1800, só de ver alguém na rua, a pessoa já tinha uma febre de amor e morria, se seu amor fosse branca como a neve com mãos magrinhas a febre matava em 24hrs! ????
Não se tinham vários relacionamentos igual hoje em dia, porque no primeiro que dava errado a pessoa morria de desgosto. Ai fica injusto né?! ???
Goethe nos mostra tantos exemplos e Dostoiévski também nos esfrega na cara esse tipo de amor vazio, onde você morre por outra pessoa só por se apaixonar por ela ao ver ela atravessando a rua.
O livro não foi um dos meus favoritos, é pombinha pra cá, pombinha pra lá que fica massante.
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joaoggur 16/08/2023

Triste & enigmática.
A novela ?A Senhoria? (da qual o autor escrevera em seus anos iniciais de profissão) segue os elementos básicos de uma história de Dostoiévski; situações sociais mescladas com uma densa psicologia, uma apneia na mente de protagonistas deteriorados.

Acompanhamos a história de Ordinov, um jovem tímido e inclinado as ciências que se vê sem nenhum lugar para morar. Ao visitar uma igreja, vê uma esbelta mulher (Katerina) que acalenta seus olhos; seguindo-a até sua casa, descobre que mora junto de um senhor (Múrin) com fama de mago. Junta os pontos remanescentes: por que não morar junto a sua paixão de primeira vista?

Dostoiévski tem uma habilidade ímpar de adentrar a mentes de personagens. Conseguimos explorar cada canto de suas criações, e muitas vezes somos enganados pelos próprios. É o que acontece nesta novela; em contrapartida de ser escrita em terceira pessoa, sentimos a todo momento que estamos sendo enganados, acompanhando irrealidades. Não sabemos o que é real ou uma simples criação da mente do personagem. Sinto que isso adensa a obra; outros, porém, podem julgar de uma forma diferente.

Não creiam cegamente nas críticas negativas; a novela, apesar da linguagem rebuscada e do clima arrastado, tem o seu valor. Trata da ?primeira paixão? de uma forma tão bruta que apenas Dostoiévski poderia escrever.
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Toni 03/10/2011

O sonhador dostoievskiano
Foi preciso uma segunda leitura para que a impressão de obra difusa, disparatada, fruto de uma “fantasia mirabolante” que caracterizou meu primeiro contato com esta novela dostoievskiana passasse a suspeita de uma construção sutil e inovadora, com possibilidades interpretativas sequer imaginadas na leitura inicial. Publicada em 1847, após o sucesso estrondoso de Gente Pobre e a recepção duvidosa de O Duplo, A senhoria trata-se da primeira tentativa do autor em caracterizar um tipo e um tema que seriam marcantes em toda sua produção subseqüente. Conta a história de Ordínov, gérmen do homem do subsolo: nobre intelectual devorado por uma paixão insaciável pela ciência e alheio ao mundo exterior, cuja vida havia passado até então tranqüila e solitariamente em um quarto alugado, introspectivo e sorumbático. Assim nos é apresentado este típico sonhador, ao lado de quem o narrador se posiciona, proporcionando um foco narrativo filtrado pelas impressões e visão de mundo de Ordínov. Esse expediente, fator de incompreensão em sua época, unido à trama que mistura realidade e sonho, fazem da novela um tecido de intricada fazenda, cujos mistérios somos impelidos a (tentar) desvendar.

A narrativa tem início com a necessidade de uma nova moradia para Ordínov, que o lança às ruas pela primeira vez em muito tempo. Forçado a uma situação que exige que se mova e enfrente o mundo para encontrar um novo lugar de pouso, por extensão um lugar no mundo, encara o universo a sua volta com surpresa e alienação. Após flanar pelos bairros petersburguenses à procura de um quarto para alugar, fica intrigado com o comportamento de um inusitado casal numa igreja paroquial e, excitado pela possibilidade de aventura, decide segui-los. Avivado pela forte impressão que o rosto da jovem lhe causara, vê-se impelido a um segundo encontro com o casal, cuja conseqüência imediata – devido à sua impressionabilidade exarcebada, seu desnudamento e desproteção de sentimentos – é fazê-lo se apaixonar pela moça e se tornar seu inquilino.

Múrin, um velho mujique, e Katierina, sua companheira, formam o contraponto social, moral e intelectual ao mundo de Ordínov, uma possibilidade deste se abrir para o universo exterior levando-o a experimentar “a profunda sensação de que toda a sua vida se partira ao meio”. No embate entre consciências tão distintas, a novela mostra a discrepância existente entre o que Ordínov parece ser e aquilo que ele realmente é. Nesse sentido, a forma como se organiza a narrativa é fundamental à representação do narrador: através da exploração de Ordínov pelos outros ele exibe sua covardia, frouxidão e impotência. Assim como no enredo de aventura que “não se baseia no que é o herói e no lugar que ele ocupa na vida, mas antes no que ele não é e que, do ponto de vista de qualquer realidade já existente, não é predeterminado nem inesperado” (p.119) – como afirma Bakhtin – o enredo desta aventura dostoievskiana está totalmente a serviço da ideia: ele “coloca o homem em situações extraordinárias que o revelam e provocam, aproxima-o e o põe em contato com outras pessoas em circunstâncias extraordinárias e inesperadas justamente com a finalidade de experimentar a ideia e o homem de ideia, ou seja, o ‘homem no homem’” (Problemas da Poética de Dostoiévski, 2010, p.120).

A modelação do homem pelo homem é um ponto básico dessa novela. “Objetivamente incapaz de resolver seu conflito com a realidade que o cerca, Ordínov encontra nos estudos uma forma de evasão. Mas quanto mais se dedica a desenvolver seu intelecto, mais impressionável se torna sua sensibilidade, mais precárias suas relações com as outras pessoas e mais irreversível a dissolução de seus vínculos com o mundo exterior.” (Fátima Bianchi, Pósfácio a A Senhoria, Ed. 34.) Dessa forma, o embate com a solidão torna-se a principal tragédia do sonhador dostoievskiano. Integrante da geração de heróis do tempo – homens cultos sem função orgânica na sociedade, cuja potencialidade frustrada os obriga a se refugiarem em fantasias e ilusões, no ceticismo ou no desespero – Ordínov é um sonhador que começa a novela sem um passado, e chega ao fim dela sem perspectiva de futuro.

A senhoria encontra-se estruturada em duas partes equivalentes, cada qual contendo três capítulos. Como ficou sugerido, sua leitura exige a constante suspeita dos liames narrativos entre realidade e sonho, uma vez que a condição de Ordínov sugere que nem tudo o que acontece na história foi de fato vivido pela personagem no plano da realidade. Fica patente a sugestão de desvario no Cap.2, Parte 2, em que a repetição de “como se”, o uso de verbos de ligação no imperfeito e todo um campo semântico que gira em torno dos vocábulos “impressão” e “sensação”, etc., fazem daquela estranha e fantasiosa conversa entre Ordínov, Múrin e Katierina produto da imaginação alienada daquele. A nulidade em que acaba Ordínov, aproximando-o do homem do subsolo, reitera a ideia de que só por meio da participação na vida viva o homem pode realizar todas as suas potencialidades.
Toni 08/09/2012minha estante
Hombre, quando li A Senhoria, li junto a outros 9 livros de Dostoievski (a maioria narrativas curtas). Curiosamente, foi um dos livros que tive de apresentar em seminário para a disciplina do mestrado (por isso a segunda leitura). Confesso que o livro é excelente, mas acho que as três estrelas foram muito mais para, na minha cabeça, localizá-lo em termos de importância/inventividade em meio a produção do autor.


Marcos Renan 18/10/2017minha estante
Meu caro, gostei bastante se sua resenha, mas acredito que os pontos positivos que você levantou da obra faria mais jus à Memórias do Subsolo, por exemplo. A Senhora até agora foi o único livro de Dostoiévski que li e não gostei: parece que o livro inicia como se a história não tivesse começado e termina como se a história não tivesse acabado.




EduardaMarquess 13/05/2024

Que diacho de estória é essa? ?
Havia visto muitas críticas e também que no período de publicação Dosto, que há pouco havia sido super elogiado por ?gente pobre?, foi massacrado. Então minha expectativa estava baixa.

A leitura foi em vários momentos confusa, não pela escrita, e sim pelas divagações da personagem principal e pelas mudanças repentinas. No entanto, é também envolvente, e consegue deixar o leitor curioso acerca do passado e do futuro. É também frustrante, pois algumas dúvidas são mantidas, Inclusive acerca do fator decisivo para tornar a estória mais macabra ou não (para mim).

Bem, que doidera, li quase tudo com uma expressão de dúvida misturada com estranhamento.

Ps.: o posfácio na edição da editora 34 é uma joia.
priscyla.bellini2023 13/05/2024minha estante
Eu avisei.




Aécio de Paula 25/04/2020

A senhoria - Fiodor Dostoievski
Essa novela foi publicada no começo da carreira do autor, em 1847. É sobre um.jovem, Ordinov, que se muda para a casa de uma mulher misteriosa, esposa de um velho místico metido a bruxo. Não senti prazer na leitura, achei conflituosa, mal contada, com sentimentos exarcebados e melosos, delirantes, tudo muito solto, chato e as vezes sem sentido.
Elvia 25/04/2020minha estante
Eu senti o mesmo lendo "memória da casa dos mortos" acho que tem a ver com problemas na tradução. Achei a leitura muita pesada




@PumpkheaD 13/12/2017

A transição
Gostaria eu de ter iniciado as leituras de Dostoiévski em sua ordem cronologia para acompanhar essa sua evolução pessoal na escrita do realismo russo. E A Senhoria é um ponto de grande importância nesse sentido.

Apesar das críticas da sua época de lançamento e até mesmo dos tempos atuais, A Senhoria possui uma riqueza muito característica e de grande relevância para a transição da escrita do personagem romântico para o personagem realista.

O personagem romântico é um sonhador tem muita força de caráter e elevação de espírito e sempre era apresentado como inteiramente perfeito e acabado; isto é, ele era o que parecia ser. Aquilo que ele pensava de si mesmo coincidia exatamente com sua verdadeira natureza e com a opinião dos outros sobre ele.

E é aqui que chegamos a nuance incrível desta obra. Ordínov é apresentado como um destes sonhadores, um romântico que vê na ciência os meios para viver seus maiores sonhos. Chegando até a se afastar da sociedade por ter aquelas características que mais tarde seriam tão presentes nos personagens dostoievskieanos; os que fazem parte daquela minoria de homens cultos e moralmente sensíveis que, incapazes de encontrar um lugar na sociedade para desenvolver suas potencialidades, fecham-se em si mesmos, refugiando-se em fantasias e ilusões, ou no ceticismo e desespero. O herói cujo a desgraça é ter espírito. Tal elevação do personagem romântico se mostra, nesse tipo de personagem, sua mais completa fragilidade diante da realidade do mundo e dos outros, em contraposição ao romântico sonhador que tudo podia por meio de sua Vontade e dos seus ideais.

Imagine se não é de grande perspicácia, colocar um personagem que não via mais lugar na literatura russa (o sonhador) dentro de uma obra realista (A Senhoria) para assim mostrar o quão falho pode ser este indivíduo e o quanto de humanidade existe neste sonhador.

Concordo que a escrita tem suas dificuldades, no entanto, me parece válida ao querer mostrar a confusão deste personagem que passa de um espírito elevado e titânico do sonhador para o realismo confuso do peso e leveza ao se relacionar com o mundo real e com o amor. Algo muito forte nos futuros personagens contraditórios de Dostoiévski.

A leitura desta obra é de grande importância e relevância para quem admira o autor e seus personagens, e gosta de perceber essas transições da literatura russa, iniciada por Nikolai Gogol com O Capote e continuada tão magistralmente por Dostoiévski.
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Alice 10/01/2024

Incrível como os livros do Dostoievski continuam a me angustiar e deixar presa a história ao mesmo tempo, ainda vou precisar de tempo para ir digerindo tudo.
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Erika 28/09/2020

Sempre o mesmo
Dostoiévski escreveu A Senhoria aos 26 anos, e assim como em O Duplo, conta uma história que mistura realidade e fantasia na mente do jovem Ordinóv.

A diferença é que rola umas pitadas românticas, mas de um amor bem sofrido, entre pessoas esquisitas.

Ordinóv é um dos primeiros dos típicos personagens de Dostoiévski: o homem do subsolo, aquele que não se encaixa em lugar nenhum, o que delira, o que fantasia loucamente. Ler Dostô é sempre uma experiência incrível, mas está ficando meio repetitivo. Sempre quando abro um livro escrito por ele, já sei o que vou encontrar, é sempre o mesmo tipo de personagem padrão. Não rola aquela surpresa, sabe?

Ainda pretendo ler tudo o que ele escreveu , mas a frequência será menor. Não me cancelem, Dostoiévski continua sendo um dos meus preferidos com Os Irmãos Karamázov, apenas darei um tempo.
Sun's daughter 29/09/2020minha estante
Eu também estou dando um tempo de Dostiévski, Crime e Castigo me deu uma pancada tão forte na mente, que ainda não me recuperei. Sonho ler tudo que ele escreveu, mas esse tempo também está me ajudando a encontrar outros autores russos tão bons quanto ele.


Marcelo Dos Santos (De Dois) 20/10/2020minha estante
Acho que tem muito isso nele mesmo, Erika.
A questão dos personagens quase sempre acaba se encaixando nesse perfil, com algumas sutilezas como o protagonista ser mais ou menos arrogante, ser educado ou ser um completo estúpido com todos e não foge muito disso.
Não manjo muito da biografia do autor, mas creio que isso deva ter sido muito o produto de seu meio, capaz dele ter conhecido muitas pessoas assim. haha

Todavia, acho que vale a imersão em toda sua obra sim, eu tenho esse objetivo (ao menos com tudo que já fora traduzido).




Eliza.Beth 03/12/2021

Estranho
Esse livro é estranho. Ou talvez eu não tenha entendido nada.
Você fica meio confuso, sem saber exatamente o que aconteceu, se foi verdade.
O personagem principal sofre constantes súbitos de sono e febre, o que já é bastante para o leitor desconfiar da veracidade da história.

A premissa maior eu até achei interessante. Acho que a resolução da questão é que fica mais confusa e não satisfatória.

Tem tbm a questão de ?amores loucos e imediatos?, que particularmente não me agrada e acho cafona. Gosto de coisas construídas ao longo da narrativa.

O bom é que é um livro curto. Talvez se fosse mais longo, eu acharia essa história insuportável ??
Mas confesso que fiquei muito curiosa de saber mais sobre essa história em um sentido mais educacional. Sinto que existem coisas ali que uma leitura superficial não consegue alcançar.
Uma análise sobre o livro com alguém que estuda Dostô acho que seria legal.
Carolina.Gomes 03/12/2021minha estante
Mesma nota q eu dei. Só pelo autor.


Raquel 04/12/2021minha estante
Meu Deus! Em que livro será que Dostoiévski fica tão bom quanto falam?


Eliza.Beth 04/12/2021minha estante
Carol kkkkkk Dostô merece, tadinho!


Eliza.Beth 04/12/2021minha estante
Raquel, Crime e Castigo é muito bom. Recomendo demais. Noites Brancas tbm gostei.
Kkkk Dostô incompreendido kkkk mas realmente esse A Senhoria ele viajou kkkkk


Carolina.Gomes 04/12/2021minha estante
Kkkk Raquel, Crime e Castigo é bom!


Raquel 05/12/2021minha estante
Eu vou ler Crime e Castigo ano que vem, se tudo der certo! Está aqui na estante! Obrigada meninas ??


Ale.rocha.z 07/02/2022minha estante
Raquel, os meus favoritos são, "O sonho de um homem rídiculo" (Espetacular), "Crime e Castigo" e "Os Irmãos Karamazov". Esses são os livros que o Dostoiévski mostra o quão bom é!


amveum 03/02/2023minha estante
oh, moça, que bom que não fui só eu, tive que parar pra tentar entender várias vezes o que estava acontecendo. história muito frufru e louca, livro curto e ao mesmo tempo enorme




Rebeca.Gaspar 29/03/2021

"Dê a ele, ao homem fraco, uma liberdadezinha - ele mesmo a atará e a trará de volta. Para um coração tolo, nem a liberdade de nada serve!"
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Ticiana 16/08/2023

Mas como gosta do personagem de cama quase morrendo o senhor Dostoievski. Em geral, um bom conto do querido.
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Marcelo 28/07/2023

Dos livros de Dostoiévski que tive a oportunidade de ler até o momento, este certamente é o que menos me impactou. Nem por isso trata-se de um livro ruim.
A trama desta novela gira em torno de um personagem principal, o "herói" da história, que muda-se para um quarto na casa de um casal e passa a haver uma espécie de triângulo amoroso, de certa forma, platônico. Tudo permeado por aquele tipo de diálogo que enfatiza o sofrimento e confusão emocional dos envolvidos.
Não é, de forma alguma, um livro ruim, mas caso você não conheça o autor, existem diversos títulos mais interessantes pelos quais começar sua leitura de Dostoiévski.
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Paula.Juca 16/10/2021

Fiquei impressionada
É impressionante como Dostoiévski tem a capacidade de tirar de um acontecimento trivial algo grandioso, profundo e reflexivel. Estou até agora me perguntando de Ordínov foi enganado ou não por Katierina.... Infelizmente ele não é muito óbvio e não te entrega respostas. Mas um daqueles livros pequenos que te levam a ficar uma tarde inteira pensando.
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