Carla.Parreira 21/10/2023
Mulheres que amam demais
?
Eis alguns trechos: ?...É um velho clichê no campo da terapia o fato de as pessoas frequentemente se casarem com alguém absolutamente igual à mãe ou ao pai, com quem entram em conflito durante o amadurecimento. O conceito não é muito exato. Não é tanto o fato de ser o parceiro que escolhemos absolutamente igual a mamãe ou papai, mas o fato de que com esse parceiro somos capazes de ter os mesmos sentimentos e enfrentar os mesmos desafios que encontramos ao crescermos; somos capazes de reproduzir a já tão conhecida atmosfera da infância, e usar os mesmos artifícios nos quais já temos tanta prática. Isso é o que, para muitos de nós, constitui o amor. Sentimo-nos à vontade, confortáveis e extraordinariamente ?corretos? com a pessoa com quem podemos nos comportar familiarmente e sentir todos os sentimentos familiares. Mesmo que nosso comportamento nunca tenha sido correto e que os sentimentos sejam desconfortáveis, são o que conhecemos melhor. Temos aquela sensação especial de pertencermos ao homem que nos permite, como sua parceira, dançar com os passos que já conhecemos. É com ele que decidimos tentar fazer com que o relacionamento dê certo. Não existe química mais poderosa que esse sentimento de familiaridade misteriosa quando um homem e uma mulher se unem, cujos padrões de comportamento ajustam-se como peças de um quebra-cabeça. Se, além disso, o homem oferece à mulher a oportunidade de combater e tentar vencer sentimentos de dor e de desamparo da infância, de não ser amada e querida, então a atração torna-se realmente irresistível para ela. De fato, quanto mais existe dor provinda da infância, mais poderosa é a tendência a restabelecer e dominar essa dor na fase adulta... As crianças inevitavelmente carregam a culpa e a humilhação de problemas sérios que afetam sua família. Isso acontece porque, através da fantasia de onipotência, elas acreditam ser a causa das circunstâncias em que a família se encontra e ter o poder de mudar aquelas circunstâncias, para melhor ou pior... A negação é um processo inconsciente, espontâneo, que ocorre automaticamente. Seu sonho de como o relacionamento poderia ser, e seu esforço para atingir esse fim, deturpa sua percepção de como ele é. Toda decepção, todo fracasso e toda traição no relacionamento são ou ignorados ou racionalizados... Estas são as características de uma mulher que se recuperou de amar demais:
1. Ela se aceita completamente, mesmo enquanto quer modificar partes de si. Existe uma autoconsideração e um amor por ela mesma que são básicos, e que devem ser alimentados.
2. Ela aceita os outros como são, sem tentar modificá-los para satisfazer suas necessidades.
3. Ela está ciente de seus sentimentos e atitudes com relação a cada aspecto de sua vida, inclusive sua sexualidade.
4. Ela cuida de cada aspecto dela mesma: sua personalidade, sua aparência, suas crenças e valores, seu corpo, seus interesses e realizações. Ela se legitima, em vez de procurar um relacionamento que dê a ela um senso de autovalor.
5. Sua autoestima é grande o suficiente para que possa aproveitar a companhia de outras pessoas, principalmente de homens, que são bons exatamente como são. Não precisa ser necessária para se sentir digna de valor.
6. Ela se permite ser aberta e confiante com pessoas adequadas. Não tem medo de ser conhecida num nível profundamente pessoal, mas também não se abre à exploração daqueles que não estão interessados em seu bem-estar.
7. Ela pergunta: ?Esse relacionamento é bom para mim? Ele me dá oportunidade de me transformar em tudo o que sou capaz de ser??.
8. Quando um relacionamento é destrutivo, ela é capaz de abandoná-lo sem experimentar uma depressão mutiladora. Possui um círculo de amigos que a apoiam e tem interesses saudáveis, que a ajudam a superar crises.
9. Ela valoriza a própria serenidade acima de tudo. Todos os conflitos, o drama e o caos do passado perderam sua atração. É protetora de si mesma, de sua saúde e de seu bem-estar.
10. Ela sabe que um relacionamento, para dar certo, deve acontecer entre dois parceiros que compartilhem valores, interesses e objetivos semelhantes, e que possuam ambos capacidade para serem íntimos. Também sabe que é digna do melhor que a vida tem a oferecer...
Uma vez que a autoaceitação e o amor por nós mesmas começam a se desenvolver e ganhar espaço, então estamos prontas para praticar conscientemente o fato de sermos simplesmente nós mesmas, sem tentar agradar, sem nos comportarmos de forma calculada para ganhar a aprovação e o amor de outra pessoa. Mas parar com esse comportamento e com os agrados, apesar de nos trazer alívio, também pode ser amedrontador. Um sentimento de inabilidade e de vulnerabilidade surge em nós quando estamos apenas sendo, em vez de fazendo... Quando não estamos mais dispostas a agir de forma calculada para produzir um efeito, há um período durante o qual sofremos por não saber o que fazer, até que nossos impulsos amorosos verdadeiros tenham oportunidade de ser ouvidos e sentidos. O fato de abandonar os velhos estratagemas não significa que nunca nos aproximamos, nunca amamos, nunca zelamos, nunca ajudamos, nunca acalmamos, estimulamos ou seduzimos nosso parceiro. Mas, com a recuperação, ligamo-nos a outra pessoa como uma expressão de nossa própria essência, em vez de estarmos tentando provocar uma reação, ou criar um efeito, ou produzir uma modificação nela. O que temos a oferecer é quem somos verdadeiramente quando não estamos fingindo ou calculando, quando estamos sem disfarces e sem enfeites. Se vamos permitir que alguém nos veja e nos conheça verdadeiramente, devemos antes superar o medo de sermos rejeitadas. E devemos aprender a não entrar em pânico quando todas as nossas muralhas emocionais de proteção não estiverem mais presentes, rodeando-nos e protegendo-nos. No campo sexual, essa nova condição de se relacionar requer que nos desnudemos e que estejamos vulneráveis não só fisicamente, mas também emocional e espiritualmente... Por que vale a pena correr o risco? Apenas quando nos revelamos verdadeiramente é que podemos ser verdadeiramente amadas. Quando nos relacionamos como genuinamente somos, em nossa essência, e se mesmo assim somos amadas, é a nossa essência que é amada. Nada é mais proveitoso a nível pessoal e mais libertador num relacionamento. Deve-se notar, entretanto, que esse tipo de comportamento de nossa parte só é possível num clima livre de medo, de forma que não devemos apenas vencer o medo de sermos verdadeiras, mas também evitar pessoas cujas atitudes e comportamentos nos causem medo... O medo da mudança, de renunciar ao que sempre conhecemos, fizemos e fomos, é o que nos impede de nos transformarmos em um ser maior, mais saudável e mais verdadeiramente amável...?