spoiler visualizarAna 08/06/2021
Eu Não Sei Quem Você É, da autora Penny Hancock, foi enviado em março aos assinantes da TAG Inéditos. É um livro que aborda temas muito sensíveis, principalmente abuso sexual de menores, o que pode gerar gatilhos em inúmeras pessoas. Dito isto, vamos à trama. Holly e Jules são melhores amigas desde a época da faculdade. Cada uma delas tem um filho: Holly é mãe de Saul, de 16 anos, e Jules é mãe de Saffie, 13 anos. Justamente terem uma ligação muito forte, uma é madrinha do filho da outra, um posto muitíssimo importante porque isso significa confiar a vida do filho a outra pessoa, né?
Porém, a vida delas vira de cabeça para baixo quando Saffie acusa Saul de tê-la estuprado. É a partir desse ponto que a trama começa a se desenrolar de verdade, principalmente porque Holly não acredita na acusação mesmo sendo uma professora universitária que está a frente de um movimento sobre violência contra as mulheres. Isso significa que ela é do tipo que acredita nas palavras da vítima logo de cara... Até, obviamente, o abusador ser o seu filho.
A narrativa usada por Penny Hancock é bem interessante e é um artifício que funciona, porque alterna o ponto de vista entre as duas personagens principais. Sendo assim, sabemos exatamente o que elas estão sentindo em relação ao problema. Com o passar das páginas, bem aos poucos, vamos descobrindo o que aconteceu entre Saul e Saffie. Uma coisa no desenvolvimento do enredo que me deixou muito desconfortável foi o fato da autora sempre deixar dúvidas sobre quem está falando a verdade. A todo momento ela fazia questão de colocar a palavra de Saffie em prova, seja a partir de uma reação, o modo como ela falava... E porque isso me deixou tão incomodada? Porque em determinado momento da história eu simplesmente acreditei que Saffie estava mentindo e que Saul era inocente. E eu me senti mal, porque, como duvidar da palavra de uma mulher sendo eu mesma uma mulher?
Estaria mentindo se dissesse que, pelo menos em partes, a autora não conseguiu conduzir sua obra. É verdade que a escrita é muito fluida — apesar de ter me irritado bastante com a tradução, que usava "contigo" ao invés de "com você", o que não é muito usual na nossa língua rs — e que queremos solucionar o mistério tanto quanto as personagens... Mas infelizmente achei que Hancock perdeu a mão mais ou menos a partir da metade do livro. Porque pensem comigo... Se Saffie estivesse mentindo, apagaria a voz de milhares de mulheres que foram abusadas sexualmente e desacreditadas, e tudo, tudo na narrativa indicava que a menina estava mentindo.
E é aí que entra o plot twist, a pior escolha possível para a solução do problema envolvendo Jules, Holly, Saffie e Saul. Obviamente não vou dizer o que é, mas em poucas páginas a autora conseguiu ir contra TUDO o que estava pregando, ou pelo menos contra o que eu achava que ela estava pregando, fica difícil assimilar. O final proposto por Hancock de nada ajuda mulheres reais que terão contato com essa história. Para além disso, achei as próprias protagonistas muito forçadas. Por exemplo, Jules é incapaz de tomar uma decisão sequer sozinha e, para isso, procura ajuda até mesmo de Holly, que, por sua vez, acha que é a única pessoa no mundo que sofre. Tem que ter bastante paciência, viu?
Infelizmente a narrativa fluida não conseguiu apagar o ódio que senti pelo rumo que as coisas tomaram. A autora poderia ter tomado inúmeras decisões que não ofendessem mulheres que já foram vítimas de abuso sexual e mulheres que estão presas em relacionamentos abusivos. Não é um livro que acho necessário, muito pelo contrário, visto que pode trazer visões errôneas sobre assuntos tão sérios e tristes. Para mim, é um livro que errou em diversos pontos, ainda que a proposta fosse acertar e conscientizar.
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