Craotchky 07/08/2021Mais uma "não-resenha" ou Das valorações de leituras(Texto reestruturado dia 29/01/2024)
A bolsa amarela foi uma leitura surpreendente. Demorou só um pouquinho para que eu entrasse na vibe da história, depois a coisa deslanchou. De início supus que encontraria aqui apenas um livro infantil superficial, porém encontrei nas entrelinhas metáforas e analogias mais profundas e reflexivas. Naquilo que se propõe, A bolsa amarela é sensacional. Uma maravilhosa surpresa.
Este livro me fez teorizar sobre como a relação econômica de "custo-benefício" pode ser análoga ao sistema avaliativo de uma leitura, desde que façamos uma pequena mudança nos termos. Explico: trocando o termo "custo" por expectativa e "benefício" por retorno, obtemos uma relação expectativa-retorno. Neste sentido, em qualquer leitura temos uma certa expectativa. Após a leitura verificamos o quanto essa leitura conseguiu retornar, entregar, isto é, atender essa expectativa. Essa é a relação expectativa-retorno que parece participar bastante da nossa avaliação final de uma qualquer obra.
Assim, quando temos uma expectativa muito baixa, qualquer pouco que a leitura dê como retorno é suficiente para a expectativa ser alcançada e consequentemente a valoração ser positiva. Em contraste, se a expectativa é muito alta, é preciso que o retorno seja muito grande para que a essa expectativa seja suprida e a valoração seja positiva. Outro ponto importante é que essa relação expectativa-retorno é totalmente subjetiva, visto que cada elemento que a compõe está sujeita à consciência, percepção, sensibilidade e entendimento de cada leitor(a). Em outras palavras, a expectativa é uma criação do(a) leitor(a), portanto subjetiva; da mesma forma, o quanto a leitura retorna está condicionado à percepção e sensibilidade de cada indivíduo, sendo assim também um elemento subjetivo.
Além disso, há níveis diversos de expectativa e níveis variados de retornos possíveis. A interação desses níveis na relação expectativa-retorno parece ser o que resulta na valoração que atribuímos ao livro. Que fique claro: A relação expectativa-retorno gerará uma valoração subjetiva, conforme explicitado no parágrafo anterior. Há várias possibilidades finais de valoração subjetiva que podem ser exprimidos através de termos como "gostei muito", "amei", "detestei", odiei" e outras variantes.
Aqui no Skoob, por exemplo, usamos cinco níveis de valoração (as estrelas), ou dez níveis após o advento do aplicativo da plataforma. De qualquer maneira, o nível final da valoração da leitura resulta da interação dos níveis de expectativa e retorno implicados nela. Em suma, a quantidade de expectativa interage com a quantidade de retorno proporcionado pela leitura. Parece que o resultado dessa relação estabelece a valoração final.
PORÉM...!
Acima abordei uma espécie de ferramenta que talvez usamos instintivamente, mesmo que sem perceber, para atribuir valor a uma leitura. (Em verdade, apenas teorizei aquilo que quase todos nós leitores(as) sabemos que acontece na prática). Esse valor é subjetivo, visto que os elementos que o compõe são subjetivos de cada leitor(a). No entanto, será que os livros não têm valorações objetivas?
Aceitemos ou não, a verdade é que costumamos assumir uma espécie de instância objetiva de valoração dos livros, afinal, parece ser natural e praticamente unânime concordar que Os miseráveis é melhor (tem um valor objetivo maior) que Cinquenta tons de cinza (exemplos meramente ilustrativos), mesmo que sequer tenhamos lido as obras citadas. Se aceitarmos a existência de uma instância de valoração objetiva, ainda que não saibamos os critérios e meandros de sua operação, a brincadeira fica mais interessante.
Neste contexto, há duas instâncias de valoração: a subjetiva (aquela que depende da relação expectativa-retorno) e a objetiva (atributo imanente ao livro). Seguindo o raciocínio, um livro terá um valor subjetivo (atribuído pelo(a) leitor(a)) e um valor objetivo (atributo intrínseco do próprio livro). Perceba: o valor subjetivo vem do leitor(a), depende dele, e é atribuído por ele; o valor objetivo não depende do leitor(a) e não é atribuído por ele, pois é um atributo pertencente ao livro.
Aceitando as duas instâncias de valoração, podemos entender o motivo de não ser contraditório odiar um livro considerado excelente ou amar um livro considerado péssimo. Essa possibilidade se abre justamente por haver, nesse cenário, duas dimensões independentes de valoração. Sendo assim, valorações do tipo "odiei", "não gostei", "gostei", "amei" e todas as suas variantes podem ser compreendidas como subjetivas; valorações do tipo "péssimo", "ruim", "bom", "excelente" e todas as suas variantes podem ser compreendidas como objetivas.
Veja: "odiei", "não gostei", "gostei", "amei" são termos que remetem a prerrogativas do sujeito, isto é, do leitor(a). É o leitor(a) que odiou, gostou, amou... Portanto, sendo do sujeito, são subjetivos. Em contrário, "péssimo", "ruim", "bom", "excelente" são atributos do objeto, ou seja, do livro. Logo, sendo atributos do objeto, são objetivos.
Com tudo isso, é possível um livro ter um valor subjetivo positivo e ao mesmo tempo ter um valor objetivo negativo e vice-versa, e ainda assim não haver contradição, pois a dimensão subjetiva é independente da dimensão objetiva. Exemplo: "Amei um livro péssimo". Nesta frase "amei" seria uma valoração subjetiva, enquanto "péssimo" é um valor objetivo. Cada valor pertence a uma dimensão diferente de valoração, portanto não entram em conflito.
Bem, vou parar por aqui antes que me perca. Se você leu até esse ponto, parabéns! Caso queira, comente suas ideias sobre essas questões. Até.