Érica 05/01/2016
Um livro tão curtinho, mas com tanto para dizer..
Nunca havia lido nada da autora, mas como a Globo fez uma adaptação do livro, conhecia mais ou menos a história trazida nesse romance de estreia da autora, lançado em 1954.
O livro conta a história de Virgínia, a caçula de três filhas, que, após a separação de seus pais, é a única que continua a morar com a mãe e, através de seus olhos solitários e sonhadores, vemos o passar dos anos e, aos poucos, vamos descobrindo os segredos e dramas familiares ocultos. O livro encontra-se dividido em duas partes: a infância e o início da vida adulta de Virgínia.
Na primeira parte, a infância, Virgínia está dividida entre dois mundos completamente diferentes: Vive com a mãe, Laura, que possui problemas psiquiátricos, o médico da mãe, Dr. Daniel, e a empregada, Luciana. Luciana ama Daniel, que ama Laura, eis a primeira ciranda revelada. Na casa da mãe, Virgínia acompanha seu sofrimento e o desenvolvimento de sua doença, mas sempre mantendo a esperança de que ela vá se curar e voltar a viver com seu pai, Dr. Natércio e as irmãs, para que voltem a ser uma família. Ocasionalmente, Virgínia visita o pai e as irmãs na mansão em que vivem e onde deseja também viver, o mundo com o qual sonha e idealiza.
Virgínia gosta de Daniel, mas se sente culpada por esse sentimento, por entender que o gostar do homem que vive com a mãe é uma traição ao seu pai, Dr. Natércio. Luciana e Virgínia não se dão muito bem, mas com a mãe doente, é o mais próximo que Virgínia tem de um a figura materna. O enredo e os personagens são riquíssimos e fica difícil resumir a história.
Dado momento, com a piora da mãe, Virgínia finalmente vai viver na mansão, com o pai e com as irmãs, Otávia (a irmã religiosa) e Bruna (a irmã admirada por sua beleza). Ao mesmo tempo em que esse sempre foi seu sonho: viver com sua família, Virgínia sente saudades da mãe, do Dr. Daniel e de Luciana; não consegue se adaptar ao novo lar, não consegue ficar íntima das irmãs, não consegue se aproximar do pai, que ela quase nunca vê ou ser vista como "membro do grupo" dos amigos e vizinhos das irmãs, Letícia, Afonso e Conrado, por quem ela nutre uma paixão desde a infância.
No jardim da casa do pai há uma fonte com cinco anões de mãos dadas, que Virgínia compara ás irmãs e seus amigos: os anões formam uma ciranda de pedra e nunca permitem que ela entre na roda. E, assim, os sonhos de Virgínia nunca se realizam.
Pouco depois de Virgínia se mudar para a mansão, Laura sucumbe à doença e morre. Daniel, não suportando a vida sem a amada, comete suicídio, deixando sua biblioteca como herança para Virgínia. Após descobrir que, na verdade, era filha do Dr. Daniel, fruto da traição de sua mãe, Virgínia entende o porque de Natércio não querer se aproximar dela; entende, ainda, o carinho que Daniel sempre teve consigo e com sua mãe e passa a sentir culpa por nunca tê-lo deixando se aproximar mais. Desejando se distanciar, pede a Natércio que a envie a um colégio interno de freiras, levando nas malas apenas os livros herdados de seu verdadeiro pai.
Na segunda parte do livro, formada professora, Virgínia retorna à casa de Natércio, adulta e mais madura, mas ainda desejando ser aceita pelas irmãs e seus amigos, o tempo passa, mas nada parece mudar. Contudo, olhando mais de perto, com eles convivendo, é que Virgínia vai, aos poucos, descobrindo que todos têm defeitos e segredos.
Nesta parte, a ciranda é o movimento de cada personagem na narrativa:
- Bruna, a religiosa, que sempre afirmou que a mãe iria para o inferno por ter traído e deixado o pai para viver com outro homem, agora casada com Afonso, tem um amante e trai o próprio marido.
- Otávia, a mais linda, a preferida de todos, vive um mundo só dela, alheia aos demais, uma artista sem sucesso e sem expressão.
- Letícia, que disputava o amor de Afonso com Bruna na infância, torna-se uma tenista bem sucedida, mas vive enganando meninas adolescentes, que são suas amantes.
- Afonso, em criança o "vilão" da narrativa, acaba como uma vítima, afogado em seu coitadismo, mas o único a apontar sempre as falhas da ciranda de pedra que se pensa perfeita.
- Conrado, o mocinho fraco, a quem Virgínia sempre amou, mas que pensava que amava Otávia, descobre-se que sempre amou, em verdade, Virgínia, mas nunca teve coragem de assumir essa paixão e a esperou, virgem e imaculado.
Dentre todos, apenas Virgínia escapa da ciranda e não fica nela eternamente circundando: descobre que não pertence àquele mundo, que não precisa daquele mundo.
O livro é muito, muito bom. Sendo um retrato da sociedade da época, traz a mulher como um ser de voz e força, a mulher que supera a ingenuidade e adquire a própria independência. Traz, ainda, temas polêmicos: a infidelidade no casamento, o homossexualismo, temas que, em 1954, não eram pauta de conversas.
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