O Garrancho 21/04/2023
De um suposto porvir apocalíptico a um futuro ancestral
Do pensador Ailton Krenak, eu já tinha lido “A vida não é útil” e “Ideias para adiar o fim do mundo”. E agora, no mês de abril, graças ao desafio dos 12 livros para 2023, li “Futuro Ancestral”, que, cabe registrar, está entre os mais vendidos no seu segmento.
Na escola, eu me lembro bem, todo dia 19 de abril, alguns de nossos professores nos chamavam a atenção para a data, o Dia do Índio, efeméride agora celebrada como Dia dos Povos Indígenas, com o devido ajuste de vocabulário.
As menções que meus mestres no passado faziam aos povos originários do Brasil, pelo que me recordo, eram geralmente estereotipadas. As poucas aulas que tínhamos sobre os primeiros habitantes de Pindorama se pautavam por visões colonialistas, eurocêntricas. Em nada contribuíam para a desconstrução de preconceitos.
Na universidade, em disciplinas da graduação, do mestrado e até mesmo do doutorado, meus colegas e eu não tivemos lamentavelmente acesso à produção nem teórica nem literária de nenhum autor indígena. Nesse tempo de formação acadêmica, o máximo que estudamos da temática foi a representação dos então chamados índios em obras do romantismo brasileiro, tais como “I-Juca Pirama”, de Gonçalves Dias, “Iracema”, “Ubirajara” e “O Guarani”, de José de Alencar. Talvez, quando lemos “O tempo e o vento”, de Erico Verissimo, a personagem de Pedro Missioneiro tenha despertado maiores reflexões, mas foi só.
Como professor de literatura e booktuber, não é de hoje que tenho me empenhado em ler e em promover textos escritos por autores indígenas – parece que foi necessária uma lei, a nº 11.645, que tornou obrigatório o estudo da história e da cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, para que percebêssemos a nossa tamanha ignorância.
Em “Futuro Ancestral”, Krenak compartilha com seus leitores a sua cosmovisão, sua forma de compreender, significar e representar o mundo, sempre perplexo ante a destruição dos ecossistemas praticada pela população não-indígena.
É linda a sua defesa da florestania, que ecoa em seu livro – que sai pela Companhia das Letras – ao lado de ensinamentos assim: “Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui”; “Não quero aprender nada às custas do sofrimento”; “O futuro não existe – nós apenas o imaginamos”; “As crianças Krenak anseiam por ser antigas”...
Concluída a leitura, eu torço para que a radicalidade precisa do pensamento de Ailton Krenak nos acorde de um suposto porvir apocalíptico e nos faça ver e sentir qual foi e qual será de fato nosso futuro ancestral.
E, para finalizar, espero que compreendamos com urgência, no mínimo, estas sábias palavras do autor: “A base da educação é feita em fricção com o cotidiano. A eventual liderança de uma criança será resultado da experiência diária de colaboração com os outros, não de concorrência”. Eis o “sumak kawsay” como dizem os quéchuas.
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