spoiler visualizarIsa Beneti 25/08/2020
Um baita de um novelão exagerado e rico em personagens
Ao terminar um calhamaço desse tamanho, posso afirmar com certeza que nem a melhor das resenhas conseguiria exprimir tudo o que um leitor passa durante a leitura dessa grande obra. Afinal, nós somos envolvidos por uma trama maravilhosamente construída e enriquecida com personagens absolutamente incríveis, tanto que eu mal acabei esse livrão, mas já sinto um vazio no meu coração quando penso que não terei mais contato diário com David, Srta. Peggotty, Betsey, Traddles, Agnes, Sr. Dick, entre muitos outros.
Pelo seu tamanho e por sua reputação de grande clássico da literatura, era de se esperar que o enredo desse calhamaço fosse muito complexo. Entretanto, apesar dessa complexidade de fato existir, fiquei surpresa com quão fácil e prazerosa foi a leitura. Graças à escrita de Charles Dickens, que era voltada para todos os tipos de público (incluindo a população mais simples), em nenhum momento me vi perdida diante dos inúmeros acontecimentos e personagens. Tudo flui de um maneira fácil e instigante, visto que o romance foi publicado em folhetins, e era necessário que o texto prendesse a atenção do público.
Por outro lado, o que mais me desagradou na obra foi justamente sua característica excessivamente folhetinesca. Ao tentar retratar a realidade, Dickens acaba criando caricaturas irreais, e o resultado disso é o contrário do que se buscava: indivíduos e acontecimentos simples, totalmente previsíveis e inverossímeis. Parece até contraditório afirmar que a história é ao mesmo tempo exagerada e simples, mas é assim que se dá o desenrolar da trama, o que demonstra uma forte influência do Romantismo (escola literária que vigorava em meados do século XIX) no trabalho do escritor.
Essa suferficialidade das situações e personagens está presente até mesmo na figura do próprio narrador (protagonista e contador das memórias), que muitas vezes se posiciona como mero observador dos acontecimentos, totalmente influenciado pelas circunstâncias ao seu redor. No entanto, essa falta de identidade de Copperfield não é sinônimo de falta de subjetividade no texto. Muito pelo contrário, o enredo está CHEIO de cenas muito melodramáticas e trágicas, mas isso não passa de um sentimentalismo ornamental típico do Romantismo. Por isso, apesar de haver um claro desenvolvimento pessoal do protagonista ao longo da narrativa, sua personalidade e seu caráter são desenvolvidos de uma maneira um tanto superficial, ao contrário do que se espera num romance de formação.
Até mesmo a trama (que, como já disse, é criada com excelência pelo autor) é afetada por essa superficialidade, pois a história está repleta de sucessivas coincidências absurdas usadas como pretexto para juntar "fios soltos" do enredo. Por conta disso, o romance acaba se tornando um baita de um novelão bem exagerado, mas isso não diminui o valor da obra, que continua tendo uma história incrível e complexa.
(Resumo da história)
Os primeiros capítulos foram definitivamente meus preferidos, pois narram a infância de David de uma maneira ingênua, mas ao mesmo tempo muito sofrida. Tudo começa antes mesmo do nascimento do narrador, já órfão de pai e rejeitado pela tia (Betsey, que esperava uma sobrinhA), que é sucedido por uma sequência de consecutivos infortúnios, incluindo o novo casamento da mãe com o rígido e controlador Sr. Murdstone e sua igualmente dura e maldosa irmã, que oprimem e subjulgam a pobre Clara Copperfield; sua sofrida passagem pela escola Salem House, onde conhece o atraente e egoísta aristocrata Steerforth, assim como o simples Traddles; a morte da mãe e abandono do padrasto, que o manda trabalhar em Londres (aos 10 anos), onde mora com o endividado e excêntrico casal Micwaber; sua ida à pé até a cidade de sua desconhecida Tia Betsey, que mora com o "louco" Sr. Dick (um deficiente muito carinhoso e inteligente da sua maneira, um dos melhores personagens do livro) e que por sorte o acolhe. Esse período é de longe o mais difícil de toda a vida do narrador, mas o sofrimento é abrandado graças à sua querida babá Peggotty e sua família (Sr. Peggoty e seus filhos adotivos Ham e Em'ly), cuja casa serve como refúgio ao pobre órfão.
Depois de adotado, começa uma nova fase de sua vida: a pré adolescência e juventude, em que ele se destaca estudando numa boa escola enquanto vive confortável na casa dos Wickfield (Sr. Wickfield e sua perfeita filha Agnes, uma irmã pra David), que está sendo assombrada pelo vilão Uriah Heep, uma personagem fisicamente e psicologicamente assustadora, controladora e hipócrita.
Terminados os estudos, David vai para Londres e reencontra seu antigo amigo Steerforth, com quem reata fortes laços, mas que se mostra ainda mais egoísta e pervertido que na infância. Depois de uma viagem à cidade de Peggotty com o amigo, Copperfield decide seguir a carreira de procurador, que é provavelmente a parte mais chata do romance, pois há descrições cansativas de cenas na Corte Civil. O ingênuo jovem apaixona-se pela inocente Dora, filha de seu chefe, com quem vive um romance intenso, porém bobo e infantil (sendo ELA a personificação exagerada da ingenuidade, infantilidade e inutilidade). Mesmo assim acaba se casando com a garota, não sem antes ser rejeitado pelo pai, sendo só possível se casar depois da morte do sogro. Nesse meio tempo, Betsey havia perdido toda a sua fortuna (da qual David dependia) até então administrada por Sr. Wickfield, e Steerforth decepciona totalmente a todos ao fugir com Em'ly (que já estava comprometida com o bondoso Ham).
No entanto, por amor a Dora, David não deixa se abalar pelos infortúnios e continua trabalhando com afinco para o sustento, que não era mais provido pela tia. Durante essa fase de amadurecimento, vemos David crescer como indivíduo graças aos desfechos de pequenos enredos, tal como o caso da suposta traição de Sra. Stone (esposa do diretor da escola de David), que provou ser leal ao esposo. Mas a trama principal envolvendo o maior dos inimigos só é finalizada mais a frente, quando Uriah Heep é denunciado pelo Sr. Micawber por se aproveitar do estado depressivo de Sr. Wickfield e acabar com os seus negócios (incluindo a fortuna de Betsey, que é recuperada). Outro grande desfecho ocorre no majestoso capítulo "Tempestade", em que Ham morre na tentativa de salvar Steerfoth num navio naufragando (nada dramático, né). Por último, Em'ly é resgatada por seu tio após muito tempo de procura, e ambos vão viver como emigrantes na Austrália, assim como a família Micawber.
David, por sua vez, perde a filhaesposa (Dora), mas ascende na profissão de escritor (percebe-se aí e ao longo de toda a narrativa traços autobiográficos da obra). Ao final, declara-se para a sua perfeita irmã Agnes, que corresponde o seu amor e que se torna mãe de seus filhos. Final feliz!
É impossível descrever em tão poucas linhas o que foi vivenciar tudo isso ao lado de David Copperfield e crescer junto com ele. Apesar de não ser um romance de formação perfeito, as suas personagens, que são o ponto forte do livro, vão ficar para sempre comigo, e vou guardar tudo o que aprendi com cada uma delas em meu coração.