André 18/06/2020Um fato interessante da biografia de Charles Dickens é que ele obteve muito sucesso ainda em vida. Ao contrário da maioria de escritores de sua época, ele pode presenciar sua aclamação. E lendo suas obras, especialmente David Copperfield, entende-se perfeitamente sua fama.
O livro é um romance de formação, que diria flertar com a poesia, escrito com eloquência e talento impressionantes; uma estória que passa da formação e simula a vida como nenhuma outra; que envolve o leitor com personagens tão complexos e cativantes, e sentimentos tão verdadeiros.
As mais de 1000 páginas podem parecer exagero, mas são essenciais para trama, assim como certa prolixidade do autor em alguns momentos. O ritmo do livro, com isso, fica perfeito e é um dos motivos da narrativa ser tão real e impactante.
Além disso, o livro ser grande é algo que dá a ele, como já escrevi, a representação tão perfeita do que é a vida. A estória é emaranhada, variada, múltipla e com tantas pontas "soltas", mas não incompletas, como é a realidade.
E preciso novamente elogiar a escrita do Dickens, porque é um dos mais talentosos escritores que já existiu. Muitos dos recursos usados por ele, como as famosas coincidências e as revelações repentinas, em outras obras escritas por mãos menos habilidosas seriam motivos para críticas pesadas, mas que em seus livros são convincentes e emocionantes, funcionam perfeitamente e te faz acreditar que a vida é assim (e às vezes é msm).
O primor da sua escrita pode ser visto em como ele faz com que sejamos criadores da estória juntos com ele, não só leitores. Ao descrever as personagens e com suas falas, conseguimos criar um quadro completo delas, podemos até ver seus gestos enquanto conversam.
Além da perfeição técnica, o livro também é rico em seu conteúdo. Ele aborda diversos temas, como amadurecimento, a importância das memórias, dedicação e vocação, além de fazer críticas sociais sobre educação, trabalho infantil, elitismo e burocracia/justiça. Aliás, é sempre incrível ver como Dickens, em todas suas obras, consegue fazer um retrato fiel de sua época e transpor seus descontentamentos com o governo, a sociedade e o sistema, como consegue criticá-los e sugerir mudanças de maneira orgânica com a trama.
Mas, acredito, o grande tema da obra seja a construção moral e emocional do protagonista. Como exemplos de um ideal estão Agnes, Traddles e os Peggoty, que são apresentados como pessoas honestas, abnegadas, empáticas e que buscam oferecer amor e carinho de forma desinteressada. No sentido oposto estão Steerforth, Uriah Heep e Rosa Dartle, que são personagens dissimulados, egoístas e cobiçosos. Os outros personagens flutuam entre esses pontos, ora sendo influenciados por um dos lados, ora pelo outro. Mas, no geral, vemos um crescimento das personagens no final.
Enfim, David Copperfield é um livro maravilhoso que merece ser lido.