Flávia Menezes 18/08/2023
?UM AMOR IMPEDIDO É IGUAL A UM PÁSSARO DE ASAS PARTIDAS.
?Asas Partidas? foi publicado em 1912, e fala da história real de amor vivida por Khalil Gilbran, um ensaísta, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa, que também foi considerado um filósofo, muito embora ele tenha rejeitado o título.
Eu sempre quis ler algo desse autor, desde que Lucas Scott, protagonista do seriado ?One Tree Hill? (no Brasil, ?Lances da Vida?), um jovem apaixonado pelos livros, narra com sua voz forte um trecho de uma dessas escritas por Khalil Gilbran que nos faz ficar por horas refletindo. Mesmo efeito que encontrei neste livro, onde sua escrita poética e filosófica está presente em cada um de suas poucas páginas.
Esta não é uma história apenas sobre o primeiro amor da vida de um homem. Nem mesmo é sobre um amor impossível, ao estilo shakespeareano de ?Romeu e Julieta?. Esta é uma história de amor que aconteceu com Khalil, mas que também poderia acontecer a qualquer um de nós: o amor impedido.
Um amor impedido é aquele que surge de uma conexão imediata, intensa, entre duas pessoas que sentem que ao lado uma da outra encontraram o seu verdadeiro lar. E aquele vazio que levavam por tanto tempo na alma, foi, enfim, preenchido. A certeza de que se está ao lado da pessoa certa, é algo que não existem palavras que possam descrever, mas que se traduz em uma sensação de paz, onde sentimos que nada no mundo pode nos abalar, a não ser estar longe dessa pessoa a quem amamos além de nós mesmos.
Mas assim como é forte e certo o laço que os une, é igualmente cruel e imutável aquilo que os impede de continuar. E aqui, nesta história, o que separa esses dois amantes são as questões religiosas.
?O amor é a única liberdade do mundo, porque eleva tanto o espírito que as leis da humanidade e o fenômeno da natureza não podem alterar o seu curso.?
É bela a forma como o Khalil fala do amor para além das paixões, da atração puramente física, mas do amor que vem de algo muito mais profundo. E aqui eu preciso reproduzir um trecho que eu coloquei durante a leitura, pois foi a coisa mais verdadeira e bela que eu já li:
?Deus criara dois corpos num só, sentíamo-nos realizados quando nos reuníamos e perdidos quando nos separávamos. (...) É errado pensar que o amor provém de longa convivência e de uma corte perseverante. O amor é a consequência de uma afinidade espiritual e, a não ser que essa afinidade se demonstre num instante, jamais será criada em anos ou mesmo em gerações?.
Me encantei por esse trecho em particular, porque ele me lembra muito de uma frase atual que sempre vejo nas redes sociais: ?Nunca foi falta de opção, mas de conexão?.
Conexão... O que nos faz conectarmos com tanta facilidade a algumas pessoas, mas não a outras? Por que as verdadeiras conexões não encontram o caminho para as nossas vidas no momento certo? Por que um laço entre duas pessoas que parecem ser destinadas uma à outra precisa ser rompido? Por que é que um verdadeiro amor não pode ser plenamente vivido? Pode mesmo um amor verdadeiro (uma conexão profunda) ser impedido?
Infelizmente são perguntas que ninguém pode responder, assim como nunca saberemos explicar porque muitas vezes a vida se veste de megera sádica, e nos faz sentir o gosto da felicidade, unicamente para, em seguida, nos tirar tudo.
Neste livro, onde uma jovem é impedida de ficar ao lado do homem que ela realmente ama (e que a ama não apenas por ser uma mulher bonita, mas por ela ser alguém que traz em si todas as qualidades que ele mais admira em uma mulher), unicamente por ter sido prometida a um homem para satisfazer os desejos ambiciosos de um bispo, que é aquele a quem todas as escolhas pertencem.
E depois, uma vez casada, os preceitos pelos quais esses laços (injustos) foram feitos, não podem mais ser desfeitos nesta vida. E cabe aos dois viver a eterna dúvida do porquê um amor, que antes surge como uma dádiva, precisa agora se transformar em uma maldição?
O trecho em que Khalil traz essa reflexão é altamente belo, e não há como não o transcrever:
?? Oh! Deus, o que terá uma mulher feito para Te ofender? Que ofensa terá ela cometido para merecer tal punição? Por qual crime está ela sendo condenada a um eterno castigo? Oh! Deus, tu és forte, eu sou fraca. Por que me causas dor? És forte e poderoso, e eu não sou mais que uma criatura frágil rastejando diante de Teu trono. Por que me esmagas com Teu pé? És como a furiosa tempestade, e sou apenas pó; por que, meu Deus, me atiras sobre a fria terra? És poderoso, e eu, desamparada; por que lutas comigo? Tu és consagrado e eu, tímida; por que me destróis? Criastes a mulher com amor e por que com amor a arruínas? (...) Devias mostrar-lhe o caminho da felicidade, mas impeliste-a à trilha da desgraça; em sua boca, colocaste canção de alegria, mas depois cerraste seus lábios de tristeza e agrilhoaste sua língua à agonia.?
Não é mesmo tão bonito e profundo a ponto de se transformar em uma oração?
Dizem que a maior expressão de amor é o sacrifício. Mas a questão é: por que um amor deve mesmo ser sacrificado, se em nosso mundo precisamos tanto de mais amor? Perguntas, perguntas, e mais perguntas...
Esta é uma história de amor real, que não teve em si um final feliz, mas que nos ensina como o amor vivido além das paixões, da atração física, e com uma verdadeira conexão pode ser algo tão forte e poderoso a ponto de mesmo quando impedido, permanecer sendo a única fonte que traz um pouco de significado para essa nossa conturbada vida.