spoiler visualizarThales Diniz 31/12/2022
A pessoa é respeitada e julgada como um ser humano neutro
Pra mim foi uma boa leitura, uma boa escrita, principalmente considerando a época que foi feito, e me despertava sempre a vontade de continuar lendo pra saber o que aconteceria em seguida, desconsiderando o começo muito lento e confuso.
Achei o planeta Inverno bastante interessante, assim como a relação e diferenças culturais entre as duas principais nações: Kahide e Orgoreyn. Nações rivais, mas nunca em guerra pelo total desconhecimento da existência dessa possibilidade (dádiva de um mundo sem homens?)
"O primeiro enviado a um novo mundo sempre vem só. Um estranho é uma curiosidade, dois são uma invasão."
Dos personagens, gostei muito do Estraven e da construção dele. No início parecia que seria só mais um coadjuvante qualquer, mas tornar-se um gigante.
Adorei alguns dos contos entre capítulos (principalmente os primeiros), que seriam histórias ou mitos de Gethen.
Toda a questão sexual abordada foi interessantíssima, me levava realmente a refletir. Toda uma espécie que não tem sexo definido e são assexuados exceto durante o período equivalente a um cio (Kemmer). Ou seja, diferenças sexuais ou interesses sexuais não afetam em nada a sociedade. E quando paramos pra pensar na nossa, é afetada o tempo inteiro e em todos os níveis, muito mais do que deveria (somos todos pervertidos ?).
"Pois qual é a primeira pergunta que fazemos a respeito de um recém-nascido?... Em Inverno isso não existe. A pessoa é respeitada e julgada tão-somente como um ser humano neutro. É uma experiência espantosa."
Porém achei que poderia ter sido melhor explorado, faltou profundidade. Seria muito interessante ter adicionado um romance real (não só platônico como foi entre Ai e Estraven) e narrado o impacto cultural/social disso, etc, mas entendo que não era o propósito.
"Espero que algum dia seja possível o relacionamento sexual entre o getheniano bissexuado e o ser humano tipo hainiano, unissexuado, embora tal relação seja, inevitavelmente, estéril."
"Um amigo. O que é um amigo, num mundo onde qualquer amigo pode se tornar um amante em determinada fase da lua?"
Era também muito difícil não enxergar todo mundo como homem msm, era um constante exercício mental pra nos lembrar que não eram homens. Talvez pela falta de um pronome de gênero neutro no Português como tem no Inglês.
"Num certo sentido, as mulheres são mais estranhas para mim que você, Harth. Com você, de qualquer forma, eu partilho de um mesmo sexo..."
E nunca senti tanto frio psicológicamente como lendo esse livro ?
"Mesmo assim, meu olho esquerdo gelou e fechou-se um dia, e eu pensei que o havia perdido. Mesmo quando Estraven o descongelou com seu hálito e sua língua, eu não enxerguei coisa alguma por um certo tempo; provavelmente algo tinha se congelado além dos cílios."
Em suma, apesar de cumprir bem o papel de nos apresentar a todos os elementos do mundo abordado, acho que o livro poderia ter entregado mais. Do ponto de vista filosófico e reflexivo é riquíssimo, mas exagera em descrições desnecessárias e não aprofunda muito em nada, muito pouco de fato acontece, em um universo que é interessantíssimo e cheio de possibilidades. Ainda assim, é uma obra marcante, difícil de esquecer.
E por fim, deixo aqui um fato no qual todos os viajantes presentes irão se identificar:
"Na cidade, a chuva é uma inconveniência; para um viajante, uma catástrofe."