Evy 19/03/2022"
Uma voz proclamando a verdade é uma força maior do que frotas e exércitos, se lhe derem tempo".
Todo mundo sabe que ficção científica é meu gênero favorito. Mas uma das vergonhas literárias que eu carregava nesse sentido era não conhecer nenhuma obra de Ursula K. Le Guin. Quando a nave mãe (editora Aleph) me enviou esse livro pra leitura, eu fiquei super animada e mergulhei assim que consegui nessa leitura. Outra confissão que tenho a fazer, é que eu não tinha a menor ideia sobre a história do livro, eu sempre me encantei com o título, que acho lindo mas nunca tinha lido sequer a sinopse. Então foi uma enorme e grata surpresa quando me deparei com questões tão atuais e importantes abordadas nesse livro.
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Luz é a mão esquerda da escuridão"
Um terráqueo, Genly Ai, é enviado a um planeta gélido chamado Gethen com a missão de convencê-los a se juntar ao Ekumen, uma espécie de aliança entre os mundos humanoides, já que os habitante do planeta são superiores. No entanto o terráqueo se depara com um mundo complexo, cheio de intrigas e desconfianças entre seus reinos e nenhum interesse em avanços tecnológicos e progresso. Acaba se envolvendo numa trama política complicada que mudará completamente o rumo da sua missão.
Entre as dificuldades que Genly Ai encontra nesse novo planeta, está o fato de seus habitantes terem a capacidade de desenvolver os dois gêneros: masculino e feminino e oscilarem entre ambos em períodos específicos de reprodução. O fato do protagonista ser sempre de um único gênero é um dos motivos de desconfiança e de ter ganhado o apelido de "pervertido" já que pode se reproduzir a qualquer momento.
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Existem aspectos da ambissexualidade que apenas vislumbramos ou supusemos, e que talvez jamais compreendamos inteiramente. [...] Considere: não existe nenhuma divisão da humanidade em metades forte e fraca, protetora/protegida, dominante/submissa, dona/escrava, ativa/passiva".
A história é contada através de dois personagens, Genly Ai e Theren Hart, um político de Gethen, e esse é um recurso que costumo gostar muito já que nos permite ter duas visões diferentes da história e um melhor entendimento da mesma. Juntos, esses dois personagens vão enfrentar uma jornada intensa e cheia de desafios sociais, políticos e sentimentais/sexuais lutando contra a cultura de um planeta que insiste em manter-se isolado e seus próprios conceitos e realidades.
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Um homem que não destesta um mau governo é idiota".
As reflexões e discussões que essa abordagem da autora nos traz é sem preço. Pensar que o livro foi publicado em 1960, por uma mulher na ficção científica e trazendo um olhar para a fluidez de gênero é simplesmente sensacional. Confesso que em alguns momentos, a autora traz alguns conceitos esteriotipados de traços "tipicamente" masculinos e femininos e isso me incomodou um pouco, mas é preciso levar a época em consideração e a própria autora reconheceu que cometeu alguns erros na linguagem dos personagens.
Dito isto, é impressionante a força narrativa de Le Guin e sua capacidade ímpar na construção do universo dessa história, incluindo contos e lendas durante a narrativa, tornando todo o universo mais palpável e verossímil para o leitor. Essa edição lindíssima e capa dura da Editora Aleph ainda traz uma introdução sensacional da própria autora e uma do Neil Gaiman.
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A única coisa que torna a vida possível é a incerteza permanente e intolerável: não saber o que vem depois".
Super recomendo a leitura!