Carol 16/03/2022
Reflexões sobre o Amor
"Não é estranho, Erixímaco, que para outros deuses haja hinos e peãs, feitos pelos poetas, enquanto que ao Amor todavia, um deus tão venerável e tão grande, jamais um só dos poetas que tanto se engrandeceram fez sequer um encômio??
Em comemoração promovida por Agatão foi dado um banquete (ou symposium) em que cada um dos convidados deveria fazer um discurso em honra a Eros, o deus do amor e do desejo. Dentre os convivas pode-se ressaltar: Sócrates, Aristófane, Fedro, Pausânias, Erixímaco etc.
O primeiro discurso a ser proferido foi o de Fedro, que coloca o Amor como filho do Caos como está descrito na Teogonia de Hesíodo e, portanto, um dos deuses mais antigos. Fedro destaca o papel do Amor em trazer o que há de mais belo e mais virtuoso nos indivíduos que amam; e afirma que o Amor enobrece a vida mais do que a riqueza, as honras ou qualquer outra coisa e que o Amor inspira os homens a grandes ações.
?E quanto a abandonar o amado ou não socorrê-lo em perigo, ninguém há tão ruim que o próprio Amor não o torne inspirado para a virtude, a ponto de ficar ele semelhante ao mais generoso de natureza?
?Assim, pois, eu afirmo que o Amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte?
Outro discurso marcante é o discurso de Aristófanes em que narra o mito do Andrógino. Por meio dessa alegoria, é explicada a razão de homens e mulheres estarem sempre em busca de sua metade.
"Cada um de nós portanto é uma téssera complementar de um homem porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento.?
?Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do outro nem por um pequeno momento."
Mas sem dúvida o principal discurso do livro é o discurso de Sócrates em que apresenta a sua visão do Amor aprendida com a sacerdotisa Diotima de Mantineia. Aqui, Sócrates começa sua explanação ao estilo dos diálogos socráticos fazendo questionamentos ao orador pregresso, Agatão, e mostrando as inconsistências de suas ideias. Diferente do outro, Sócrates não acredita que o Amor seja bom, belo, ou mesmo um deus, e explica seu raciocínio por meio da ideia "o amor ama o que deseja; um homem forte deseja ser forte?" e da alegoria do nascimento de Eros, que forneceria dicas sobre sua natureza e características.
"Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontravam também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda não havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis porque ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e energético, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá; Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio - pois já é -, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.
- Quais então, Diotima - perguntei-lhe - os que filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes?
- É porque é evidente desde já - respondeu-me - até a uma criança: são os que estão entre esses dois extremos, e um deles seria o Amor. Com efeito, uma das coisas mais belas é a sabedoria, e o Amor é amor pelo belo, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante. E causa dessa sua condição é a sua origem: pois é filho de um pai sábio e rico e de uma mãe que não é sábia, e pobre. É essa então, ó Sócrates, a natureza desse gênio; quanto ao que pensaste ser o Amor, não é nada de espantar o que tiveste. Pois pensaste, ao que me parece a tirar pelo que dizes, que Amor era o amado e não o amante; eis porque, segundo penso, parecia-te todo belo o Amor. E de fato o que é amável é que é realmente belo, delicado, perfeito e bem-aventurado; o amante, porém é outro o seu caráter, tal qual eu explique."
Aqui, nesse discurso de Sócrates, são postuladas as ideias de amor platônico e da ?scala amoris? ou ?escada de diotima?, em que é explicado o caminho a ser percorrido pelos homens para encontrar a verdadeira forma da beleza ?O Belo?.
Esse livro é sensacional, não só pelo conteúdo filosófico como também pelo valor literário e histórico; contém inúmeras passagens belíssimas e reflexões filosóficas. É interessante ver nos inúmeros discursos o quanto o Amor homem-homem é elevado como o mais nobre de todos. Pontos importantes da filosofia de Platão são apresentados aqui, como o abstrato mundo das formas, onde estaria localizada a verdadeira beleza. Esse livro é um desses livros que nos deixam refletindo por muito tempo depois de já ter terminado e que abstraímos diferentes significados em diferentes fases da vida, deve ser lido e relido várias vezes.